Piromachismo

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Piromachismo
Charlotte Gainsbourg e Willem Dafoe no filme O anticristo (2009), de Lars Von Trier (divulgação)
  Em O anticristo, de Lars von Trier (2009), Charlotte Gainsbourg encena uma mulher culpada, enlutada, psiquicamente violentada, que chega à automutilação genital. No filme, sexo, violência e morte se confundem expondo o estrutural jogo sadomasoquista do patriarcado. Enquanto o marido é um psicólogo prepotente, a mulher é uma pesquisadora que faz doutorado sobre o tema do feminicídio, central para a ironia da trama. Ao final da saga, a mulher será morta pelo homem e incinerada sobre um arbusto. A trama é evidentemente complexa, mas chama a atenção pelo mais óbvio. O destino infeliz de uma mulher que, pondo-se na posição de “sujeito” ao estudar o tema da matança de mulheres, acaba por retornar à condição de “objeto” morto pelo sujeito soberano do sistema. É a impotência feminina diante da soberania masculina que emerge desse jogo sadomasoquista, em que a mulher ocupa a posição essencial da vítima, do qual se pode querer escapar através da luta de vida e morte, tal qual o escravo diante de um senhor, como se vê na conhecida dialética hegeliana. No filme, a impotência está explícita no fato de que, mesmo estudando o assunto, a pesquisadora não escapa da morte e do silêncio, que é seu efeito, algo que sua pesquisa poderia ter esclarecido, caso tivesse sido levada a cabo. O objeto não se torna sujeito. O marido é o condutor psíquico dessa morte. Como sujeito soberano, arcaico detentor do pater potestas (o poder do patriarca), ele detém o direito de vida e morte sobre o corpo da mulher subalterna. Diante dele, ela é apen

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