Privado: O último copo – de Daniel Lins

Privado: O último copo – de Daniel Lins

Ontem foi lançamento do livro de Daniel Lins “O último copo – álcool, filosofia, literatura” na Livraria da Vila da Al. Lorena.

Aqui a orelha que escrevi para o livro, o qual recomendo a leitura.

Orelha

Por que O Último Copo começa com a escrita/bailarina? Porque o pensamento dançante é o único capaz de não julgar o álcool como um tema disponível à condenação moral. Daniel Lins pratica a escrita/pensamento, ela mesma embriagada e, deste modo, entregue à sua própria desmedida criativa, às promessas e aventuras do universo que tem pela frente. Daniel Lins nos falará do álcool tendo em vista o “experimento álcool, virtual/atual, sob o signo de um desespero nômade”.

Isso não acontece sem consequências, a mais simples é o desejo de uma leitura tão atenta quanto entregue ao seu objeto; a menos simples, é a verdade para a qual sinaliza. Verdade não seria uma palavra inadequada para expressar o que aqui se manifesta? Não quando se trata de desabituar olhos fechados, corpos enrijecidos, quando a questão é dispor-se a ver além, é pensar/dançar. Neste processo, o escritor bailarino Daniel Lins conversa com muita gente, de Deleuze a Duras, de Fitzgerald a Blanchot e muitos outros espíritos livres.

Daniel Lins consegue, no caminho dessa escrita dançante, tocar no acontecimento do álcool. Nos permite pensar o álcool quando ele não é apenas julgado, mas vivido como um fator da vida, como fato antropológico, cultural, e até mesmo artístico no complexo campo da existência humana. Mais complicado é saber que o álcool é também conceito. E que faz parte do pensamento. É sua metafísica.

Sem fazer a apologia da bebida, pois não se trata de endeusá-la no ato de ir além de um julgamento, o texto nos coloca outra perspectiva: não pode o alcoólatra ser aquele que sinaliza para algo como um outro mundo possível? E às ironias desse mundo, sua ilusão, sua inverdade, para o que nele é tropeço e queda? Para a experiência do movimento, da vis. o do álcool como um problema asua ilusdoe nos ajudar. Por que se trata de aprender a ver, de olhar com outros olhos. odos que ão que é outra coisa do que o mero foco?

Assim é que podemos nos autorizar, nesta leitura, a perguntar se, contra a razão asséptica, contra um mundo sempre igual, não pode a vida expressar-se na embriaguês? Eis a pergunta monstruosa, insuportável ao moralista. E que talvez faça desse livro um tabu em nossa época, na qual as drogas são reduzidas ao mal, ao pecado, a qualquer sorte de desgraça. Coragem de abrir a caixa preta do álcool e ver por dentro, é isso, por fim, o acontecimento tremendo em O Último Copo.

A escrita/bailarina é a escrita que é pensamento em devir, entregue à experiência de seu próprio acontecimento, é a única incapaz de reduzir o álcool ao cínico problema do vício. Por isso, este livro de leitura complexa não se reduz a uma compreensão ou interpretação do álcool que o vê apenas como um problema a ser superado. Antes nos posiciona diante de uma questão mais importante: “Não é o caos que nos empurra para o abismo da invenção de outros mundos possíveis?” Neste sentido, não somos todos de algum modo inventores embriagados de nossas vidas? O que a questão do álcool, ela mesma trágica, nos ensina a ver acerca do mundo, acerca de nós mesmos e do outro que sempre nos escapa?

Ao leitor, a coragem dessa leitura se mede com a coragem para a vida.

Marcia Tiburi

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