Zumbido no desejo

Zumbido no desejo

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de maio de 2021 é “desejo”


A prosódia dirá que palavras com jota carregam um zumbido, um leve ruído, na pronúncia. Se não ela, sou eu a dizer. Cisma, talvez, que gera certa angústia. Confirmação científica ou estatística? Não, não há. Mas nojo e desejo aí estão, dois exemplos. Uso-as pouco.

O desejo é uma vontade expressa, consciente ou inconsciente. Querer não é poder, ou, ao menos, é possível criar um mundo de desejos irrealizáveis. Sonhos, (im)possibilidades, paralelismos e aspirações contribuem para a construção mental do desejo, ainda que não definido na essência. Parece uma espécie de princípio da incerteza do desejo: não poder defini-lo e vivenciá-lo simultaneamente. Matéria e energia em conflito.

Singelamente também se dirá “eu quero”. Amadurecer para não esperar nada ou muito; a vontade de viver basta, ainda que na ausência de desejos. Frustrações caminham, portanto, junto com desejos, inconciliáveis. Indesejar para então viver? Divagações e reflexões concluídas, o desejo continua a soar como ruído além de uma letra, a passagem de um transportador de outras realizações, não as desejadas.

A pandemia atual preconiza baixar as expectativas para diminuir a ansiedade e a frustração. Vontades e desejos são tolhidos como troca para a sobrevivência rasa. No balanço energético da transformação da matéria, a termodinâmica determina a observação direta da variação entre o início e o fim. A cinética avalia os caminhos, os meios, as erupções necessárias, sem as quais o impulso inicial não acontece. Os desejos dos altos e baixos da existência são substituídos pela quantificação energética e hermética. Na sobrevivência, desejo se dá por inércia do fluxo de matéria, apenas isso.

 

 

Adilson Roberto Gonçalves, 53, pesquisador da Unesp, membro do
Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas, da
Academia de Letras de Lorena e da Academia Campineira de Letras e Artes.

 

 

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