No final das contas, nunca estamos sozinhos

No final das contas, nunca estamos sozinhos
(Foto: Guilherme Madaleno/Unsplash)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


“Relaxa, mãe. Eu tô acostumada a ficar sozinha.” 

Eu disse isso uma vez, quando era criança, quando minha mãe me perguntou se me incomodava ela trabalhar tanto. Mas, não. Eu já estava acostumava a ficar em casa, assistindo TV ou brincando com meus bichinhos de pelúcia. Ao crescer, percebi que o sentimento de solidão tornou-se às vezes um lugar de conforto, às vezes de medo.

Não há meio termo para a solidão.

Nem lugar.

Já me senti em paz sozinha na minha casa, no meio da madrugada, olhando pela janela do meu apartamento. Porém, já me senti extremamente solitária no meio de uma festa estranha com gente esquisita. Sentir-se sozinho é viver uma ausência que vai além do toque. A solidão não tem hora, nem momento. Ela tem começo e fim em si mesma. Contudo, o tempo me mostrou que o maior poder da solidão é nos conectar com a pessoa mais importante da nossa vida: nós mesmos.

A quarentena me colocou em um lugar onde a solidão é uma constante. Não me lembro da última vez que vi meus amigos. Tive o privilégio de poder vir para a casa dos meus pais, lugar onde eu sabia que iria estar frente a frente com ela, como em uma batalha. Porém, foi além disso. Eu me permiti abraçá-la para poder me reconectar comigo mesma. Encarar sentimentos que eu não conseguia aceitar e não aceitar coisas que eu me recusava a enfrentar. Aprendi que estar sozinho, mais do que tudo, depende de como nos relacionamos com nós mesmos. E isso pode ser fácil como pode ser difícil. E eu não sei vocês, mas quando estou de mal comigo mesma, a primeira coisa que eu faço é procurar alguém para conversar.

Valter Hugo Mãe, escritor português, escreveu que “a nossa felicidade depende de alguém”. O impulso de negar essa frase é calado assim que ela perfura a camada mais superficial do pensamento. Se o ser humano é um animal social (certo, Aristóteles?), logo, isso só pode ser verdade. Pois, mesmo quando estamos sozinhos, nossa memória nos preenche de pessoas. Eu tenho bons amigos que conseguem me acalmar e me sentir fazer com que eu me sinta abraçada quando vejo uma foto com eles. Eu tenho lembranças de amores que me fazem ter certeza que a felicidade existe.

A maior expressão da memória é a saudade. A nostalgia, a lembrança, a mágoa. Saudade é criar planos, reviver momentos e sentir a falta de pessoas. Saudade é solidão, nem que isso seja por causa de uma pessoa. A quarentena pode fazer o máximo para nos afastar e testar nossos laços, porém ela esqueceu de um fator que essencial – e que nós nunca podemos esquecer.

No final das contas, nós nunca estamos sozinhos.

 

Beatriz Mello de Oliveira, 23, é de Londrina, PR, e está ingressando no mestrado de Comunicação Audiovisual e Multimídia da Faculdade de IADE, em Lisboa. Amante do audiovisual, da música e das artes, é vegetariana, compositora em formação e defensora de um Brasil cantado por Mangueira.

 

 

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