Um dia qualquer que pode ser todo dia

Um dia qualquer que pode ser todo dia
Fotografia de Adriana Valentin para o projeto Velada (Foto: Adriana Valentin)

 

Por Thamires Andrade

um homem observa meu corpo, eu, avalia, escaneia, mede, deve estar maquinando a medida de gozo que as medidas do meu corpo, eu, podem fornecer a um ser como ele, um homem, mas não só isso, o homem intercala olhar gulosa e despudoradamente para as medidas, minhas, e o meu rosto, ele quer ser visto, ele quer que eu sinta medo e quer ser o mais forte, eu não estou sozinha, outros homens e mulheres dividem com a gente a espera pela abertura do sinal, eu quero gritar, eu quero fazê-lo parar, mas não grito, eu sinto medo, ele conseguiu, eu estou sozinha, só penso em fugir assustada, é noite, quando ele olha eu não olho mas eu sei, eu me apresso, na descida da rua eu sinto que meu corpo, eu, estou diminuindo de tamanho, encolho quanto mais eu corro, com medo, o olhar do homem me encolhe, eu continuo a pressa, quando finalmente eu cruzo o portão, eu, corpo que eu cuido para ser sublime, para ser esperança, sou apenas um pedaço de carne, uma peça, bife ensanguentado no espeto da churrascaria sendo servido em rodízio entre os olhares de homens esganados por carne por sangue e por medo.

(sobre voltar para casa depois do trabalho num dia qualquer, que pode ser todo dia)

Thamires Andrade, 31, educadora em São Paulo (SP)

 

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