“Tchevengur”, de Andrei Platônov, e outros lançamentos

“Tchevengur”, de Andrei Platônov, e outros lançamentos

 

[ficção]

Ambientado na Rússia de 1920, logo após a Revolução Russa, o único romance finalizado de Andrei Platônov reflete sobre a utopia soviética a partir de símbolos e personagens que refratam o ideário soviete. Logo no início do romance, por exemplo, somos apresentados a personagens como Zakhar Pávlovitch, um artesão andarilho que tinha mais afeto aos artefatos e máquinas que à vida orgânica; e o maquinista-instrutor da ferroviária, homem temperamental que achava os humanos burros e brutos em comparação às locomotivas. Mas a história centra-se em Aleksandr Dvánov, filho adotivo de Zakhar, e seu amigo Stepán Kopienkin. Junto ao cavalo Força Proletária, a dupla quixotesca perambula pelas estepes russas, impressionada com suas misérias e grandezas, até descobrir o éden comunista, Tchevengur. Escrito entre 1927 e 1929, o romance só foi publicado integralmente na Rússia em 1988.

Katsushika Hokusai (1760-1849) foi um dos maiores gravuristas japoneses, famoso pelas suas pinturas e gravuras no estilo ukiyo-e, característico do período Edo. Mas para chegar à sua célebre coleção As trinta e seis vistas do Monte Fuji, desenvolveu e praticou longamente suas técnicas de desenho e pintura. Tal processo está documentado na coleção Hokusai Mangá, os esboços ou rascunhos de Hokusai. Compreendendo 15 volumes, a série começou a ser publicada em 1814, quando o artista tinha 55 anos, e reúne milhares de esboços de paisagens, flora, fauna, da vida cotidiana e do sobrenatural. Pela C33 editora, foram publicados os cinco primeiros volumes do mangá de Hokusai. Além de disponibilizar ao leitor brasileiro os famosos esboços de Hokusai, a edição segue o método de encadernação japonesa, em que a costura do miolo fica exposta na capa e contracapa da obra.

Publicado pela primeira vez em 1929, Kanikosen, ou “o navio caranguejeiro”, aborda as relações que se estabelecem entre os operários de um navio-fábrica japonês, uma embarcação de pesca com instalações para conservar e produzir alimentos enlatados. Na narrativa de Kobayashi, acompanhamos um desses navios-fábricas que parte do norte japonês para o mar de Okhotsk, na Rússia, atrás de caranguejos. As condições precárias, a exploração e a exposição a condições de baixa salubridade e segurança, no entanto, faz com que muitos pescadores morram na trajetória. Diante desse cenário, os trabalhadores se organizam e montam um sindicato em alto-mar, tentando tomar o controle do navio. Um dos grandes representantes da literatura proletária no Japão, Takiji Kobayashi expôs as condições dos pobres e proletários em sua literatura, sendo por isso torturado e assassinado, aos 29 anos, pela polícia política do Japão.


[não ficção]

Reunião de 20 artigos nos quais a anarquista lituana centra-se sobre questões feministas e de gênero. Com visão aguda e crítica, Goldman ataca o sufragismo universal, o (falso) puritanismo norte-americano, a instituição casamento, a relação monogâmica e diversos outros temas tabus para uma mulher do século 20. Sua escrita é de tal modo implacável que chega a comparar a mulher casada à prostitua: a primeira vender-se-ia “como escrava privada durante toda a vida, por uma casa ou um título”, enquanto a outra vende a si “pelo período de tempo que deseja”. Como a tradutora Mariana Lins escreve na Introdução, a abordagem original e ferina que Goldman faz das questões de gênero e sexuais tornam-se ainda mais interessantes para pensar a política no momento atual, quando pautas identitárias e de diversidades ocupam cada vez mais o horizonte político.

Ensaios que percorrem diversas artes e artistas contemporâneos para refletir sobre a colonização, raça, cultura, classe e gênero. Dividido em cinco partes, o livro tem como eixo o corpo, como anunciado no título. Essa superfície na qual se inscrevem “violências sociais, políticas e religiosas, mas também sujeito de atos de indignações, resistências e ressignificações”, como escreve Claudia Lage na orelha do livro. “Claudete se debruça sobre as imagens de Rosana Paulino, a escrita de Diamela Eltit, o cinema de Patricio Guzmán, a poesia de Edimilson de Almeida Pereira, nos mostrando como eles incorporam a violência, as rupturas, a resistência, as marcas, os vazios, as cicatrizes na materialidade de suas obras, desfazendo o dualismo conteúdo-forma, buscando contestar também na linguagem os modelos estabelecidos pelo poder e saber ocidentais”, complementa Lage.

De uma perspectiva feminista, a autora investiga a globalização e as dinâmicas sociais de sexo, raça e classe para pensar como a coerção e a violência contra a mulher são mecanismos que garantem a instalação do neoliberalismo global. Os quatro ensaios colhem diferentes casos e exemplos ao redor do mundo para pensar a lógica de funcionamento e estabelecimento dessa “pax neoliberalia”: semelhanças entre a tortura política e a violência doméstica em El Salvador; a criação dos “irmãos de armas”, classe de homens militarizados na Turquia; a difusão das técnicas de “guerra de baixa intensidade” no México; e a perpetuação colonial da violência contra as mulheres indígenas na Guatemala. Ao vincular a violência misógina à coerção militar, a feminista francesa Jules Falquet desvela a lógica de gênero que perpassa e fundamenta a governança neoliberal global.


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