Solinsônia

Solinsônia
Foto: Alexandre Possingham/Unsplash

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


Viro para um lado e o barulho de dentro abafa todo e qualquer ruído que venha de fora daqui. Viro pro outro e o barulho de dentro abafa, encobre, apaga, abranda e amortece a queda das minhas pálpebras cinzas. Meus olhos pingam, secos de sono. Fecham-se, abrem-se. Abraçam-se. Meus olhos, secos, pingam sem sono. Fartam-se, vazam-se. Atropelam-se pelas horas. Amo a noite precisamente onde mais a abomino. Amo a noite propriamente porque revela o pior e o melhor de mim. Levanto, bebo um copo d’água, vou até a varanda. Amo a noite. Levanto, leio um livro e odeio a noite, porque Drummond me disse que, dormindo, os problemas me dispensam de morrer. Deito de novo, exausta, consumida, mastigada e engolida pela boca da minha cabeça. Deito de novo e de novo, e não suporto mais o jeito que o relógio tira sarro de mim. Viro para um lado e o barulho de fora contém todo e qualquer silêncio que venha de dentro daqui. Viro pro outro e o barulho de fora contém, surrupia, reprime e asfixia não sei mais o quê.  Não viro mais.

Marianne Bonfim, 23, de Fortaleza, Ceará. Graduanda em Letras/Língua Portuguesa e Literaturas na Universidade Federal do Ceará (UFC); Escritora, Colagista e Pesquisatriz de Teatro.

 

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