Sol e solidão

Sol e solidão
Foto: Markus Winkler/Unsplash

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


Quando chove, cresce em mim a capacidade de resistir. Há poucos dias, homens de uniformes verdes vieram cortar muitas árvores em frente à minha casa. As minhas palavras não reproduzirão o som ensurdecedor da motoserra a sufocar o choro das árvores ao caírem.

Os meus olhos custaram a dilatar e o mundo pareceu um inferno naquela sexta-feira de julho, com poucas nuvens e muitos sentimentos na mesma dor, incompreensíveis.

Lembrei-me de um congresso ainda nos 2000, “Meio Ambiente: Desafios para o Século XXI”, na ocasião, o desafio era o homem e a sua forma de manejar o ambiente sem critério, monopolizando-o com a ambição. Enquanto estudante, ocupar um lugar privilegiado faz com que a visão das coisas seja relativamente igual ou potenciada de acordo com os seus valores morais. Pela primeira vez, percebi que não havia dilemas, e o que era cruel – a satisfação dos alheios ao meio ambiente.

Habitua-se aos eventos, aos palestrantes, a pausa para o café, aos desconhecidos esforçando-se para que outros os conheçam e então, a matéria se desfaz quando o despropósito é percebido pelos que enxergam.

Haverá uma árvore capaz de sustentar a todos? Uma árvore nunca significará apenas, fruto, sombra ou pergaminho. No entanto, ela poderá obstruir uma obra, pelo tronco e pela extensão da sua raiz, e não importará se tiver mil anos, ou setenta, as autoridades sempre dirão – era apenas uma árvore.

Devo imaginar coisas horríveis, pelos que feriram a minha paisagem, a minha alma incrédula e desferida pela esperança. Não há pessoas engajadas o suficiente nas causas de preservação ambiental, e esse fato inconveniente gera dúvidas para o futuro.

Não existem mais os verdes mares, as terras batidas de fé, e os homens descalços arando a terra para as colheitas benditas, não vejo mais ninguém a carregar esperanças, apenas por sonhar. Hoje entre a minha janela e o horizonte, há um abismo feito de homens e de um silêncio contemplador de vazios.

Foi inevitável, o homem mudou o destino dos pássaros, o próprio e está fadado a uma solidão sem rio. Os pássaros deixaram de pousar nas copas, e a minha virtude mais honesta sucumbiu com a descrença – não se mede os sonhos impossíveis. O que fazer com o horizonte, se tudo o que está lá é sol e solidão?

Angel Machado é escritora e jornalista brasileira, radicada em Portugal. É cronista na Revista Caliban, míope e indecentemente uma mulher feminista.

Deixe o seu comentário

TV Cult