Sobre o tempo e a infância

Sobre o tempo e a infância
(Foto: Aaron Burden/Unsplash)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de julho de 2020 é “tempo”


Odeio conhecer gente nova, ter que consultar o calendário e me deparar com o início de setembro, quando até pouco tempo atrás estava agradecendo a Deus por ter sobrevivido a mais um semestre de faculdade e ter entrado em férias.

O tempo é um algoz sorrateiro, imprevisível e intolerante. Não tolera os desavisados e apunhala de forma certeira qualquer imprudente desarmado. O sossego e a tranquilidade que carregávamos na infância é dilacerado, destruído e soterrado pela torrente da vida adulta. Faculdade, emprego, família, contas, amores não-correspondidos, política e religião. Um pacote que muitas vezes vem acompanhado de transtornos psiquiátricos, insônia, ansiedade e a fulminante depressão.

Sempre que olho para alguma criança e enxergo a pureza do sossego, a serenidade do descompromisso e a facilidade de fazer novos amigos, sinto inveja. Inveja por tudo ter passado tão rápido. Inveja que um período tão afável e gostoso tenha sido arrancado de mim em tão pouco tempo. Um joelho ralado doía bem menos que a incerteza do amanhã, do temor do desemprego e da inerente ameaça da solidão.

Eu temo que um dia esse espírito de criança se vá e seja amordaçado pelas amarras do tempo, que tudo passe tão rápido que eu não tenha tido tempo suficiente de desfrutar ao máximo. E que o arrependimento seja a minha maior companhia. A velocidade das coisas me assusta.

Aqui fala um saudosista, que pede insistente que se demore, que passe devagar, que nos dê tempo. Só mais cinco minutinhos.

Ricardo Félix Leão, 24, cursa Psicologia. Nasceu no interior do Rio
Grande do Sul, em Caçapava do Sul, uma cidade ainda imersa no
tradicionalismo e, portanto, atravessada por toda a dualidade
vindoura da tradição

 

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