Solidão, desejo e imaginação

Solidão, desejo e imaginação
(Foto: Joanna Kosinska/Unsplash)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


A solidão: como nomeá-la? Ela existe porque se fecha em sua própria significação, tão particular e diferente, tão cristalizada e evitada, tão singular no valor a ela atribuído e na sua interpretação. E não é que somos sós, mesmo quando estamos juntos?

A solidão não faz par, ela é visceral, é a diferença mais radical, o elemento que atravessa cada qual de um jeito muito especial. Mas será que algo dela pode ser compartilhado? Eis o esboço de uma tentativa.

Assim, não mais que de repente, experimentamos essa parada obrigatória na vida, nos hábitos, no desenrolar automatizado do cotidiano. A solidão, que estava encoberta nos aprisionamentos rotineiros responsáveis pelo andar em círculos e o desandar em excessos que só fazem acumular pesares, tédios e (des)encantamentos, finalmente se desvelou, revelando seu caráter mais intrínseco e original. O tempo calculado que se perde na evitação da surpresa e do encontro inesperado fez pausa, provocando um momento de reflexão.

Algumas questões entre tantas emergiram: como fazer da singularidade uma existência própria num contexto tão padronizado e universalizante? Por que circulamos na superficialidade das conquistas materiais e das redes sociais, promovendo agrupamentos sem qualquer real conexão? Imersa no enclausuramento obrigatório me perguntei ainda: que espaço coletivo é esse que elegemos para pertencer senão um aglomerado de indivíduos sós que não se comunicam em suas solidões?

Ainda reflexiva e desprovida dos artífices para evitar o vazio, percebi que quanto mais se busca encobrir a solidão, mais ela se apresenta de forma avassaladora e enigmática. É o paradoxo que faz o vazio prevalecer a cada tentativa ilusória de preenchê-lo, ou o tempo se perder a cada tentativa de quantificá-lo ou a espontaneidade se enredar em tantas outras identificações.

Os vazios que aparecem se tornam lapsos, lampejos de outros cenários e experiências vividas, a natureza tão bela em suas formas e cores, a possibilidade de criar com a imaginação, com as palavras, com as ideias e com as emoções.

Em meio ao cenário devastador que costumava nomear a solidão, hoje vejo cores nas palavras, dou nomes para as nuvens e experimento cada livro que leio ávida das diferentes sensações. Cada gesto e atitude de carinho elevam a minha percepção.

Talvez alguns nomes tenham sido acrescentados ao vocábulo solidão. Tem um temor que circula, uma tristeza que vai e vem, mas cada vez mais percebo que estar só (em mim) é também sinônimo de possibilidade, desejo e imaginação.

Maíra Tosi, 38, mora em São Paulo e é psicóloga

 

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