Rascunho de pássaro

Rascunho de pássaro
Glauber Rocha com um cartaz do filme "Cabeças Cortadas", 1970 (Divulgação)

 

A gente é rascunho de pássaro
Não acabaram de fazer…
Manoel de Barros

Os primeiros, os realmente primeiros espectadores de cinema – os que participaram da apresentação do Cinematógrafo Lumière, no dia 22 de março de 1895, em Paris, na Société d’Encouragement pour l’Industrie Nationale – saíram da sala de projeção como se tivessem acabado de ver o mundo pela primeira vez. Saíram dizendo que os filmes eram a própria natureza; que neles tudo vive, caminha, corre; que era possível ver o vento que agita as folhas das árvores, as casas, as ruas e o céu distante – tudo em seus tamanhos e cores naturais; ver os operários na porta da fábrica como se eles estivessem ali, em carne e osso. Hoje sabemos todos: os filmes dos irmãos Lumière mostravam um trem chegando na estação, ferreiros trabalhando o ferro em brasa, banhistas descansando na praia, um bebê abrindo a boca para o almoço no jardim, os operários saindo da fábrica. Eram em preto-e-branco, duravam cerca de um minuto e passavam numa tela de pouco mais de um metro. Mas para os primeiros espectadores o cinema mostrava a vida como ela é: “impossível saber se estamos diante de uma alucinação, se somos espectadores ou se fazemos parte destas cenas de impressionante realismo”, comentaram os jornais parisienses. O cinema parecia uma invenção de deus e do diabo.

Os primeiros, os realmente primeiros espectadores de Deus e o diabo na terra do sol – os que estiveram presentes à sessão da manhã de 13 de março de 1964 no antigo cinema Vitória, na Cinelândia – saíram da sala como se tivessem acabado de ver cinema pela primeira vez. Os filmes então estavam um pouco mais parecidos com a realidade do que com o cinema. Os novos equipamentos e materiais – a câmera leve e silenciosa, o gravador portátil, as emulsões mais sensíveis –, o exemplo ainda recente do neo-realismo e as teorias realistas feitas a partir dos filmes italianos reaproximavam o cinema da tradição aberta pela proposição inicial do cinematógrafo de Lumière: fotografar a vida em movimento com uma câmera imóvel e discreta. E, principalmente, a vontade política e cultural que nos animava aqui: descobrir e discutir o país apontavam para um registro fiel do fragmento de realidade diante da câmera, para a filmagem de uma cena de verdade ou de uma reconstituição objetiva de uma cena de verdade. Nesse contexto, o filme de Glauber Rocha (1939-1981) desabou sobre os primeiros espectadores como coisa nunca vista antes.

Uma corrida em linha reta com o vaqueiro Manuel em direção ao mar, uma espiral em torno do beijo de Corisco e Rosa, um salto brusco do branco do céu para o rosto do santo Sebastião, uma curva que liga o rosto de Dadá ao do cego Julio, um ziguezague de Antônio das Mortes que dispara sobre os beatos do Monte Santo, um passeio sinuoso pela roupa, o cinto cheio de balas, os dedos cheios de anéis, o punhal e o fuzil de Corisco – Deus e o diabo na terra do sol bateu na tela como um estranho corpo de duas cabeças: a cena imediatamente visível e a câmera que torna a cena visível. Ver uma coisa era imediatamente, simultaneamente, perceber a outra. A cena, e com ela, antes dela, a câmera. Em movimento. Mais ou menos assim como sugeriu o caçador de imagens Eugène Promio, em 1896, em Veneza: montar o cinematógrafo na gôndola descendo o Grande Canal para filmar as casas passando nas margens, como disse em carta a Louis Lumière: se a câmera imóvel permite reproduzir objetos que se movimentam, talvez seja possível inverter a proposição e tentar reproduzir, com a ajuda da câmera em movimento, objetos imóveis. Para reproduzir e pensar a imóvel cena social de Manuel e Rosa, câmera em movimento. A cena e a intranquilidade do autor que narra a cena. Na câmera na mão, a ideia na cabeça do realizador – mais precisamente: o rascunho de ideia na cabeça do realizador; rascunho, para o espectador completar em sua cabeça. O cinema como experiência que transcende o imediatamente visível durante a projeção, como um corpo com duas cabeças, a do autor e a do espectador.

O Corisco de Deus e o diabo resume bem a questão na cena em que se define como um cangaceiro de duas cabeças, “uma por fora e outra por dentro, uma matando e outra pensando!”, e naquela outra em que narra seu último encontro com Lampião. Sozinho em cena, numa imagem contínua, num mesmo espaço, num tempo sem cortes, um só intérprete, Othon Bastos, mas duas diferentes cabeças, ora a voz e a expressão fechadas de Lampião, ora o gesto e o grito abertos de Corisco, e dois diferentes tempos: Corisco está ali, o rosto triste do instante em que narra o acontecido, e lá, no que aconteceu, a voz grave de Lampião e a voz esganiçada no encontro com Lampião. O aparente erro de concordância da fala em que se define como uma cabeça que age e outra que pensa é na realidade a correta formulação poética do que ele é: um cangaceiro de “duas cabeça”. Duas, mas uma. Construção de duas cabeças – uma desafiando a outra, deus e o diabo, poesia e política, pensamento e ação –, os filmes de Glauber propõem ao espectador uma experiência semelhante àquela de Corisco e Othon Bastos, do personagem e do ator, narrando o diálogo com Lampião: viver simultaneamente duas cabeças e dois tempos.

Assim como toda imagem de filme é uma tensão entre a cena e a escolha subjetiva de determinado ponto de vista de onde se vê a cena, perceber tal imagem é uma tensão entre o que espectador cria quando em contato direto com o filme na tela e o que ele cria (já com uma outra cabeça) depois de terminada a projeção. O que se vive enquanto filme está na tela continua a ser vivido numa outra dimensão depois do filme. Cinema, de fato, é esse processo. O instante da projeção é um rascunho de cinema, um estímulo para um processo criativo que se movimenta entre a imagem e o imaginado. Em arte, de um modo geral, o autor inventa o espectador que inventa o autor que inventa o espectador que inventa o autor, numa cadeia sem fim de invenções–rascunhos em que cada gesto significa não tanto pelo que expressa em si quanto pelo que estimula, o gesto complementar que montado adiante revigora e reinterpreta o que acabou de passar ao mesmo tempo em que prepara o seguinte. Assim, por exemplo, “Estética da fome” (1965), nem bem acabada de se inventar, rascunho, ideia em movimento, inventava outra, a “Estética do sonho” (1971). Ou seja, afirmar que “a fome latina não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade”, que “nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que essa fome, sendo sentida, não é compreendida” e que “somente uma cultura da fome, minando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente”, dizer assim como diz “Estética da fome” significa lembrar que, “carga autodestrutiva máxima de cada homem, a fome repercute psiquicamente de tal forma que o pobre se converte num animal de duas cabeças: uma é fatalista e submissa à razão que o explora como escravo; a outra, na medida em que o pobre não pode explicar o absurdo de sua própria pobreza, é naturalmente mística, se expressa numa linguagem que transcende ao esquema racional de opressão”, o sonho.

Transcrição imprecisa de um sonho ainda nem sonhado, pensamento pela metade para ser completado e ampliado pelo espectador, fragmento, rascunho, o cinema de Glauber, do aparente rigor de Barravento (1961) ao aparente descontrole de A idade da terra (1980), caminha em direção à desmontagem da forma organizada principalmente pela razão. Os filmes procuram, uma vez concluídos, recuperar o inconcluso, o aberto para a invenção cinematográfica que existe num roteiro – especialmente nos roteiros de Glauber, todos eles pontos de partida de um processo de invenção complexo e contraditório: o roteiro, para Glauber, não era pensado como o que orienta a filmagem e a montagem, mas, ao contrário, como o que desorienta, desafia, descontrola. Desse modo, talvez seja possível pensar que o núcleo do cinema de Glauber Rocha se encontra em dois filmes, Deus e o diabo e Terra em transe (1967), e num roteiro, escrito entre eles, jamais realizado, mas presente em quase tudo o que Glauber fez depois dele, como se todos seus filmes quisessem depois de prontos se apagar enquanto imagem para voltar ao estado do que existe só enquanto texto em América nuestra.

A ideia surgiu em janeiro de 1965, em Roma, pouco depois da discussão de “Estética da fome” no seminário Terzo Mondo e Comunità Mondiale na Rassegna del Cinema Latino Americano organizada pelo Columbianum, em Gênova. Em nove páginas datilografadas, a ação dividida em seis tempos e 26 seqüências, Glauber anotou pouco mais que uma sinopse de um projeto que se chamaria América nuestra, a terra em transe. Depois, em abril de 1966, no Rio de Janeiro, desenvolveu esse esboço. Na verdade, fez mais uma livre reinvenção do que propriamente um desenvolvimento da primeira anotação: 43 páginas datilografadas, 77 sequências, mas ainda esboço: ao lado de cenas e diálogos detalhados, outros apenas sugeridos ou com a anotação “a desdobrar” ou “a desenvolver”. Antes disso, no entanto, essa mesma sinopse gerou um outro projeto, escrito ainda em Roma: em fevereiro/março de 1965, Glauber começou a escrever Terra em transe – não exatamente a mesma história, mas o mesmo conflito (a poesia como um gesto político, a política como uma ação poética) ambientado no Brasil, entre o mar do Rio de Janeiro e o sertão do Nordeste.

Terra em transe, tal como chegou aos cinemas no começo de 1967, resulta a um só tempo desta primeira versão escrita em Roma, de quatro outras feitas antes das filmagens e do roteiro de América nuestra. Um personagem comum está no centro dos dois roteiros: um poeta dividido entre o jornalismo e a política, entre a poesia e a luta armada. Ele se chama Juan Morales num, Paulo Martins noutro. É como se este novo personagem de duas cabeças (que, Glauber disse certa vez, é um desdobramento de Corisco) tivesse necessariamente gerado dois roteiros simultâneos, Glauber procurando a história ideal para dizer que o cinema deveria ocupar um espaço entre a poesia e a política – nem num ponto nem noutro ponto, mas numa constante tensão, transe, movimento entre uma coisa e outra. Ou então a ideia, quando surgiu, gerou um só roteiro de duas cabeças.

Na primeira página da versão mais longa de América nuestra (a segunda, a de abril de 1966, que ele escreveu no Rio de Janeiro), metade do título datilografado está rabiscado. Glauber escrevera: “América nuestra (A terra em transe)”. Depois, entre correções e acréscimos feitos à mão, riscou o pedaço do título entre parênteses. Terra em transe surge como se Glauber tivesse, nele, riscado o pedaço do título antes do parênteses. Sonho duplo, fusão, um dentro do outro, poesia e política, América nuestra pode ter sido sonhado como se o movimento entre poesia e política partisse da política (agir urgentemente); Terra em transe, como se o movimento partisse da poesia (pensar urgentemente); os dois, o efetivamente realizado e o que existe só como anotação, podem ter sido sonhados como projeções do que Amor diz para Juan e Sara diz para Paulo: a poesia e a política são demais para um homem só. Terra em transe é como se a história de América nuestra se interrompesse na metade, com a morte de Paulo Martins. América nuestra é como se Terra em transe continuasse com Paulo Martins indo ao encontro do guerrilheiro Bolívar para mais tarde retornar a Eldorado e derrubar Porfírio Diaz.

Glauber continuou trabalhando América nuestra pelo menos até a metade dos anos setenta. Escreveu novas versões e tentou seguidamente filmá-la pelo menos em 67, em 69, em 71, em 72 e em 73. Existem pelo menos mais seis tratamentos, escritos em Paris, em Roma, no Rio e em Havana – um em inglês, um em espanhol, quatro em português. Nenhum deles é tão extenso quanto a versão concluída no Rio de Janeiro em abril de 1966. E existem ainda várias referências ao projeto em cartas, cadernos, folhas soltas com anotações diversas – diálogos, nomes de possíveis intérpretes, indicações cenográficas, poemas, estudos da estrutura, descrições de cenas, e muitos desenhos: entre eles figuras feitas de um único traço: um homem de duas cabeças, dois rostos de perfil se enfrentando e algo próximo de uma história em quadrinhos, mas não um estudo de enquadramento ou de montagem. O desenho, aqui, é uma anotação estenográfica, rápida, incompleta, ligeira, grafismo de uso pessoal, rabisco capaz de substituir o texto, síntese de idéias que passaram pela cabeça do realizador, pensamentos que não poderiam ser anotados de outro modo.

Todas essas diversas versões, que fazem parte do acervo do Tempo Glauber, são, na verdade, anotações preliminares, textos nem mesmo finalizados enquanto textos, apenas escrita automática para se ler com imagens. Hoje temos umas poucas imagens prontas para usar sobre as anotações: o Manuel Diaz de América nuestra é um personagem que podemos imaginar lembrando as imagens do Porfírio Diaz de Terra em transe e do Manuel de Prado Diaz de Cabeças cortadas (1970). Juan Morales com certeza teria algo do Paulo Martins vivido por Jardel Filho em Terra em transe. O mesmo se passa com Julio Fuentes e com Sílvia, personagens de América nuestra que passaram para Terra em transe sem sequer mudar de nome. E a Sara de Terra em transe, sem dúvida, tem muito da Amor de América nuestra.

No primeiríssimo esboço de América nuestra, escrito em Roma em janeiro de 1965, a história começa numa sala de cinema em Paris. Entre os espectadores, “Juan Morales, jovem latino-americano, trinta e poucos anos, mas com ares europeus. A câmera se detém em Juan que fixa, meditando, a tela branca onde acabara de ver imagens terríveis do mundo que abandonara”. A idéia de Juan como um latino-americano em Paris, meio poeta meio interessado em cinema, é abandonada em seguida, no texto de abril de 1966, mas retomada numa outra versão escrita provavelmente em 1971 ou 1972 para ser filmada em Cuba: Juan sairia de Paris para Havana, e de Cuba voltaria clandestinamente ao Brasil.

Nas versões feitas depois de filmado Terra em transe, um novo personagem: El, “um gaúcho solitário, um típico herói latino-americano”; “poderia ser Don Quixote ou Che Guevara”; poderia, também, ser uma nova imagem do Firmino de Barravento, de Corisco de Deus e o diabo ou de Paulo Martins de Terra em transe, ou ainda uma nova transformação de Antônio das Mortes (depois daquela que o levou de dragão da maldade a santo guerreiro). Essas novas versões desenham de maneira distinta o guerrilheiro Bolívar: depois de derrubar a ditadura de Diaz, ele cede o governo a um presidente pseudodemocrata, o que leva Juan a voltar para as montanhas e lutar ao lado de El. Bolívar é apresentado como um herói libertador do começo do século, e El, o que de fato se dispõe a enfrentar a ditadura de Diaz. As mudanças na história não alteram, no entanto, o que Glauber queria efetivamente discutir, as duas cabeças do intelectual latino, romantismo e racionalismo, poesia e política.

“Poema épico, representação teatral – como O leão de sete cabeças? –, documentário – como Di Cavalcanti? –, polêmica – como Claro? –, política – como Cabeças cortadas?”, assim seria América nuestra, anota num dos cadernos que reúne toda a sorte de idéias para o filme. “Temo que não possa fazer este filme, mas pelo menos vou escrevê-lo. As várias versões ficarão guardadas na medida do possível, o que poderá permitir uma análise mais profunda de todo o filme.” São notas escritas à mão e com freqüência rabiscadas, abandonadas em favor de outras que seguem noutra direção; nomes para o elenco, anotações soltas para a estrutura narrativa:

“A inocência de Lumière, a cenografia de Méliès, a grandeza de Griffith, a dialética de Eisenstein, a poesia de Renoir, a força de Welles, a invenção de Godard, a irreverência de Buñuel (mais o romantismo), o sentimento de Visconti, de Bernardo [Bertolucci] o amor, a intuição de Rossellini, de Gianni [Amelio] o rigor, e alguma coisa de Straub, o misticismo de Kazan + cinema americano, Bresson, o porralouquismo do cinema e a paixão de Glauber Rocha.”

E mais, “deve ser um filme que multiplique Eisenstein por ele mesmo. Deve ter uma montagem épica. Mas quero revisar o próprio Eisenstein: uma épica moderna, produzida por uma cultura critiquíssima mas ainda desconhecida.” Diz ainda que fala “destas coisas porque quero talvez me livrar de todas as influências boas e ruins para me preparar para filmar”.

Além de multiplicar Eisenstein por ele mesmo, multiplicar o cinema brasileiro por ele mesmo: “A seqüência inicial de Rio, 40 graus. A seqüência do samba cantado por Grande Otelo em Rio, zona Norte [1957]. O casamento em O grande momento (1958). A morte e flash-back de Zulmira em A falecida [1965]. Final de O padre e a moça [1965]. A ruptura e a fuga em São Paulo S.A. [1965]. A fuga de Ganga Zumba [1964]. A ruptura em O desafio [1965]. Recuperação e luta de A hora e a vez de Augusto Matraga [1966]. A eleição de Vieira em Terra em transe. A rebelião armada em Os fuzis [1963]. A morte de Baleia e Fabiano preso em Vidas secas [1963]. O plano inicial de Vidas secas. O plano final de Deus e o diabo.”

E poesia, muitos esboços de poesias – alguma coisa entre a poesia e a fala que um personagem deve recitar como se estivesse dizendo um poema, algumas vezes poema de uma linha só: “Na morte – e por que não na vida? – somos todos iguais”. Os poemas de Juan Morales (eles seriam recitados, como os de Paulo Martins em Terra em transe, ou cantados, como os de Antão e Coirana em O dragão da maldade contra o santo guerreiro, de 1969), mais os versos do menino que anuncia Bolívar antes de ele entrar em cena, encaminham ou educam o olhar do espectador. Alguns poemas escritos para América nuestra foram aproveitados (quase na íntegra) em Terra em transe, como por exemplo:

“Não anuncio cantos de paz
nem me interessam as flores do estilo.
Como por dia mil notícias amargas
que definem o mundo em que vivo.
Não me causam os crepúsculos
a mesma dor da adolescência.
Devolvo tranqüilo à paisagem
os vômitos da experiência.
(As belas letras disfarçam ninhos de vermes nas flores.
Estas flores são a coroa dos regimentos da mentira
como as comendas dos chanceleres
e as espadas dos generais
que determinam nos Atos
o regimes de animais)”

Roteiro não filmado, meio texto teórico, meio reflexão que impulsiona a prática, muitas vezes apanhado, trabalhado e deixado para adiante – por falta de condições de produção ou por um desejo de retrabalhar o projeto –, América nuestra foi o impulso que estimulou Glauber a filmar, especialmente entre a “Estética da fome” e a “Estética do sonho”, entre Deus e o diabo na terra do sol e A idade da terra. É como se ali estivesse o essencial: na história do poeta de Eldorado que faz política como poesia e poesia como política e no inacabado do projeto. Antes mesmo que Manoel de Barros formulasse a condição da gente como a de um pássaro que não acabaram de fazer, Glauber se propôs a viver assim, como rascunho. Agora, quando podemos ter em casa, em DVD, um dos mais significativos fragmentos deste rascunho, que a excelência da composição não leve o espectador a engano: assim, sólido como é, Deus e o diabo na terra do sol é, por vontade própria, esboço, roteiro, como América nuestra, que nasceu logo depois dele, pássaro que não acabaram de fazer.


José Carlos Avellar é crítico de cinema, autor de Glauber Rocha (editora Cátedra, Madri)

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