Quem pode ser nerd?

Quem pode ser nerd?
(Foto: Reprodução)

Por Vitória Cristina

Meu pai sempre foi nerd. Não no sentido de uma pessoa muito dedicada aos estudos, mas nerd no sentido de alguém absurdamente fã da nerdologia cultural, ou seja, alguém que desde a infância se encanta pelos filmes de Star Wars, pelas HQ’s de super-heróis, por livros como Senhor dos Anéis, seriados como Star Trek, por jogos do Atari, entre outros. Anos atrás se sofria bullying por ter gosto nerd. Meu pai mesmo já foi muito caçoado por conta disso. Apesar dos contras, ele sempre sonhou em passar todos esses gostos e conhecimentos erroneamente conhecidos com inúteis para seu filho. No caso, nasceu uma filha, e há pouco tempo ouvi uma declaração dele confessando ter cometido um equívoco ao ter se decepcionado ao descobrir que eu era menina, pois ele não imaginava que eu teria tanta propensão à cultura nerd. Mesmo sendo garota, fui apresentada desde muito nova a esse mundo ficcional geek. Não minto ao dizer que, literalmente, aprendi a ler com histórias em quadrinhos do Batman e do Super Homem.

Aos quatro anos eu já contava as histórias dos super-heróis para a minha família toda, porque para mim aquilo era a coisa mais interessante do mundo. Aos seis eu já tinha assistido à trilogia do Senhor dos Anéis pelo menos dez vezes – O Retorno do Rei era particularmente meu favorito. Aos oito anos eu fui a loucura junto com o meu pai, pois o filme Homem de Ferro era lançado nos cinemas e ele havia comprado ingressos para nós na pré estreia, à meia noite do dia 29 de abril de 2008. Eu já havia lido tantos quadrinhos do herói que me trouxe um sentimento indescritível ao assisti-lo nas telas. No mesmo ano também fui à pré-estreia de Batman – O Cavaleiro das Trevas, o melhor filme da DC, na minha opinião. Aos onze anos assisti ao fenômeno que foi o primeiro filme dos Vingadores e me emocionei ao ver tantos personagens que eu conhecia dos quadrinhos e de filmes anteriores se juntarem em um longa incrível. Aos quatorze tive o privilégio de ser espectadora do novo filme de Star Wars, e vivi na pele a realidade dos jovens dos anos 80. Aos dezesseis vi Gal Gadot, interpretando a mulher maravilha, ser a primeira heroína protagonista da história do cinema, em um filme incrível e empoderador. Aos dezoito, chorei igual criança ao assistir ao desfecho fenomenal de Vingadores Ultimato, filme recheado de referências aos quadrinhos e cujas cenas são… Não consigo falar sobre o que foi esse longa para mim até hoje. Enfim, foram treze anos seguidos levando uma toalha para todos os lugares no dia 25 de maio – para quem não sabe, essa data é considerada o dia do nerd. A toalha faz referência ao livro O Mochileiro das Galáxias.

Mais de uma década se passou e eu fui criando cada vez mais paixão por esse universo que se popularizou em escala global de forma relativamente recente. Não me leve a mal, tenho adoração por outras formas de cultura também, à literatura e à arte presto inegável admiração e prestígio. Mas a nerdologia cultural se relaciona muito mais com o cerne de quem eu sou, alguém que vê esperança no mundo, da mesma forma que a população americana dos quadrinhos da segunda guerra mundial acredita que o Capitão América será capaz de acabar com a tirania de Hitler.

E mesmo tendo toda essa história com o universo geek, minha voz não é ouvida em nenhuma roda masculina quando esse é o assunto discutido. A minha opinião é simplesmente ignorada, mesmo eu muitas vezes gostando e sabendo mais que os debatedores. Na divisão errônea de gostos e funções para os quais a sociedade decidiu em qual cada gênero se adequa, os super-heróis e a cultura nerd ficaram do lado dos cromossomos XY, e eu, assim como muitas outras mulheres com gostos semelhantes aos meus, nascemos no lado 20, o que nos impossibilita muitas vezes de expor os nossos pontos de vista e de ser vistas como algo além de “modinha”. Possuir Y decide os gostos que eu posso ter?

Como reflexo da nossa sociedade machista, as mulheres tiveram menos oportunidade de ocupar as áreas da ciência e tecnologia, e como consequência disso, elas sempre contaram com uma maior quantidade de indivíduos masculinos em seus estudos e áreas de atuação, e os produtos voltados ao público nerd (como videogames, revistas em quadrinhos, entre outros) acabaram sendo desenvolvidos e direcionados para o público masculino, excluindo o lado feminino deste grupo. Os resultados desse machismo são explícitos, e fazem com que muitas mulheres não manifestem seus interesses pela nerdologia, ou não os aprofundem por pura insegurança.

Porém, assim como as “minas” estão lutando para conseguir seu espaço no futebol, as mulheres nerds hão de conquistar a sua copa. A cada dia uma menina a menos se cala, a cada dia mais uma gamer luta contra o machismo dentro dos jogos, a cada dia uma fã de quadrinhos se recusa a fechar a boca dentro de uma discussão e mostra aos meninos que ela pode saber, e sabe, muito sobre a cultura geek também, e que ela tem muito a complementar a conversa.

Não somos modinha. Não somos posers. Somos mulheres com direito de estar no mesmo lugares que os homens, seja o lugar uma empresa ou o primeiro lugar da fila na pré-estreia do filme da Marvel. Que fique claro que não queremos tirar o lugar de ninguém, e sim, poder dividir o espaço de maneira justa, sem sofrer com sexismo todas as vezes que pensamos em abrir a boca. E a vocês, meninos, que estão lendo este texto, não esqueçam de que quem cala consente, e o seu silêncio ao ver uma menina passar por situações machistas dentro da comunidade nerd, ou até na vida, é uma poção de fraqueza a mais que você não impede que caia em cima do avatar da igualdade. Para você também, que pensou em alguma situação na qual foi sexista com alguma menina dentro do universo da nerdologia ou dos games, está tudo bem. Espero de verdade que você tenha se comovido e espero de verdade que você pense na próxima vez em que te passar pela cabeça a possibilidade de vestir o preconceito de gênero.

Por fim, meninas, não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Cada luta pelo espaço, seja ela vitoriosa ou não, representa um pequeno passo para a mulher, mas um grande passo na luta de emancipação feminina. Minha luta é para que em breve, possamos carregar a nossa toalha sem medo de sermos quem somos.

Vitória Cristina, 18 anos, é estudante

 

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