“Poemas humanos”, de César Vallejo, e mais

“Poemas humanos”, de César Vallejo, e mais

 

[ficção]

“Um dos mais célebres e consagrados poetas latino-americanos de todos os tempos”, nas palavras dos tradutores Fabrício Corsaletti e Gustavo Pacheco, o peruano César Vallejo tem uma de suas principais obras poéticas publicada em primorosa edição.

Escritos ao longo da década de 1930, os 76 poemas que compõem Poemas humanos só foram publicados um ano após a morte do autor, em 1939. Na época de sua composição, Vallejo vivia em Paris, em condições precárias, e observava a tensão política do entreguerras e a ascensão do fascismo, ao mesmo tempo em que mantinha intenso contato com as vanguardas europeias.

O contexto histórico desembocou em um livro voltado a questões existenciais, percebidas mesmo nos poemas de nítido cunho político, como afirmam Fabrício Corsaletti e Gustavo Pacheco na apresentação da obra. O sentimento trágico, constante na vida do poeta, expressa-se nos Poemas humanos em uma “aguda consciência da exploração do homem pelo homem, mas também a uma percepção física e metafísica do absurdo da existência”, anotam Corsaletti e Pacheco.

Apesar da importância do poeta, suas obras não circularam muito no Brasil, restringindo-se a duas traduções publicadas na década de 1980. Além da tradução cuidadosa, essa edição traz os originais em espanhol; notas sobre cada poema, com manuscritos de Vallejo, comentários do próprio poeta e interpretações de críticos e estudiosos de sua obra; e um apêndice com textos do escritor sobre estética, literatura, arte e tradução.

No quarto livro de poemas da jornalista e escritora Flávia Rocha, o leitor acompanha o olhar de um astronauta que, em 2121, se afasta da Terra e a observa de longe. Como escreve Virna Teixeira na orelha da obra, é um olhar que ora funciona como câmera, ora como drone ou como arquivo visual, entre imagens contemporâneas e antigas, registrando “incêndios, espécies em extinção, um casal abraçado a um bote salva-vidas, os ancestrais que um dia viveram perto de uma mata dormente”. Apesar de o sujeito poético estar cem anos projetado no tempo, em uma época de “zoológicos virtuais” e posterior às “primeiras catástrofes”, a obra fala diretamente ao presente, quando “A neutralidade derrete geleiras / com a sua falsa frieza”. Aí está, como afirma Virna Teixeira, a proeza do livro: “escrever a desolação”.

Uma poesia precisa, sucinta, lacônica. Assim o poeta Christovam de Chevalier define os poemas coletados em Desjeitos, segunda reunião poética de Flávia Souza Lima. Dividido em quatro partes – “pandêmicas”, “sentimentalidades”, “gaveta” e “impostora” – o livro dialoga tanto com os acontecimentos recentes (evidente na seção pandêmica) quanto com os tópos caros à poesia, como o amor, a ausência e a distância. Os poemas também estão em constante diálogo com músicos brasileiros, como Adriana Calcanhotto, Dorival Caymmi, Joubert de Carvalho e Caetano Veloso, e poetas contemporâneos, como Adélia Prado, Ana Cristina Cesar, Ledusha Spinardi e Carlos Drummond de Andrade.


[não ficção]

Clássico da teoria feminista publicado em 1975, O riso da Medusa versa sobre a escrita feminina e evoca a urgência de que as mulheres afirmem suas vozes e presenças no texto – seja literário, teórico ou crítico. Esse aspecto, como argumenta Frédéric Regard no prefácio ao livro, reforça o aspecto de manifesto do texto: uma escrita voltada para a realidade exterior objetiva, e não centrada apenas na teoria. Ainda segundo Regard, o livro é inovador ao prever a combinação entre os estudos de gênero e os estudos pós-coloniais (ao equiparar a mulher à África). Com inspiração em Virginia Woolf e Mary Wollstonecraft, a autora evoca o mito da Medusa para lhe inverter o significado: em vez da castração da mulher (a decapitação de Medusa), coloca-se em questão a afirmação do feminino em sua diferença. Aquilo que permite a escrita com gozo, sem decapitação ou vexado do próprio riso.

Do surgimento das primeiras favelas na década de 1890 ao boom das mídias impressas e da fotografia na década de 1940, o livro analisa a presença do modernismo brasileiro em diferentes classes sociais e áreas geográficas. Nesse percurso, o autor pensa a relação entre boemia, Carnaval e artes plásticas; a percepção do modernismo carioca; as descontinuidades e rupturas entre o modernismo de 1922 e o movimento antropofágico (1928-1929); e a reformulação do modernismo pelo Estado Novo. Como relembra Rafael Cardoso na introdução, “os nomes do nosso cânone derivam quase exclusivamente das esferas elitistas de literatura, arquitetura, arte e música eruditas, enquanto os modernismos alternativos que brotaram da cultura popular e de massa são esquecidos ou ignorados”. A obra é ilustrada com farta iconografia de pinturas, periódicos, desenhos e fotos da época.

Entre mitologia guarani e cultura neobarroca, criação e tradução, o estudo de Dennis Radünz sobre a obra poética de Josely Vianna Baptista centra-se sobre seu livro de poemas Roça barroca, publicado em 2011. Nas palavras de Celia Pedrosa, que assina a orelha do livro, por meio de sua escrita “revela-se a roça barroca como um ‘canteiro de temporalidades convulsas’, onde convivem e se suplementam, através de imagens diafóricas, a ceifa e a germinação, a ruína e a relíquia”. Além de descrever o movimento poético de Josely, o “mundos torrentes” aplica-se à própria escrita de Radünz, ainda na percepção de Pedrosa: “como nos poemas de Josely, a escrita de Dennis procede a uma atualização do passado mítico e histórico, contribuindo para incitar um pensamento que consiga fazer brotar de mundos danificados a promessa de outros mundos-paraísos por vir”.


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