Os bolsonaristas do últimos dias

Os bolsonaristas do últimos dias

 

Parece que pouco a pouco a política está voltando a ser tediosa, previsível e sem sobressaltos, como merecemos que seja depois desses anos terríveis. Está ainda longe disso, claro, mas o clima é de água na fervura, substituição de guarda e de abandono do nível “ucraniano” de apreensão em que nos encontrávamos, na expectativa de tiro, bomba ou golpe militar a qualquer momento.

Do lado mais belicoso da força, o bolsonarismo, o fato mais notório é certamente o desaparecimento de Bolsonaro da cena política. Sem as lives das quintas-feiras, as patacoadas do cercadinho do Alvorada, a pimenta jogada constantemente no ventilador, as provocações antidemocráticas no Twitter, a rotina de afrontas e insultos, Bolsonaro simplesmente murchou. O país parece não ter mais presidente até janeiro, o que é um alívio.

Sim, ainda estão nas ruas os bolsonaristas-de-abraçar-quartel, a galera barra-pesada dos bloqueios e os bolsonaristas litúrgicos, que misturam rogos a Deus e preces para que os militares arrebentem a ordem constitucional. Também estão na ativa os influenciadores digitais da massa de crentes e trolls, convenientemente distantes do país, no conforto dos seus lares na Flórida.

Estes alternam regularmente tuítes em que incitam os seus extremistas a pedir ditadura militar e a desrespeitar a vontade popular manifestada nas urnas, com tuítes reclamando de que no Brasil já está implantada uma ditadura e que já não há liberdade de expressão. Parece contraditório, mas é que na verdade não são contra uma ditadura, apenas querem estar do lado dos que seguram o chicote, não dos que o recebem no lombo.

Essa gente, contudo, se confronta com a defesa firme do TSE e o repúdio do STF. Alexandre de Moraes efetivamente entendeu-se como o último zagueiro dentro da área, com o goleiro já driblado. O mais recente ato do contra-ataque da Lei consistiu em identificar os “empresários do golpe”, os bolsonaristas com dinheiro disponível para fornecer as provisões e os pró-labores dos fanáticos que aceitam se dedicar em tempo integral a uma vigília pelo fim da democracia.

Com ou sem as carpideiras contratadas para o pranto e o luto pela derrota de Bolsonaro, com ou sem os “manés” (apud Barroso) que não reconhecem que perderam a partida democrática e o senso de ridículo, nada lhes restam que os muros das lamentações dos quartéis, as sessões de avivamento pentecostal-golpista em acampamentos e tuítes de generais do bolsonarismo.

Aliás, os dois ou três generais do bolsonarismo se esforçam para esfregar na cara de todo mundo quão ruim é a formação intelectual que receberam, que inteligência e discernimento não são critérios para se chegar ao topo da carreira militar, e que uma condenação a 5 anos de estudos forçados faria um bem enorme para a sua ressocialização à vida republicana.

Golpe, ao que parece, saiu do cardápio. É apenas um “pensamento desejante” dos bolsonaristas tatuados, devidamente empacotado como “intervenção federal”, uma geringonça em que os militares dariam um golpe, mas deixariam a Bolsonaro a função de ditador. Prova maior de que o golpe deu tilt é que, no Egito, Lula já é presidente do Brasil. Foi convidado como um estadista, fez discurso de estadista e foi tratado como chefe de Estado pela comunidade internacional.

A este ponto, Bolsonaro é apenas um intervalo entre um mau governo que já foi e um governo futuro nas mãos de Lula. Bolsonaro são aqueles poucos quilômetros de engarrafamento antes do país voltar para casa: É chato? É, mas a gente suporta porque já está acabando.

Para fugir do tédio típico desse intervalo entre eleições e o novo governo, Lula e Alckmin excogitaram o expediente do governo de transição. Não sei se um planejamento com algumas centenas de pessoas, um piquenique democrático, misturando políticos de vários matizes, militantes, influenciadores e especialistas, é uma forma eficiente de se montar uma transição, mas para capturar atenção pública é brilhante.

Finda a eleição, com a bomba atômica prometida por Bolsonaro tendo virado um traque, e com o circo político sem o seu principal palhaço, alguma coisa precisa ser objeto da atenção pública e o burburinho de nomes da equipe de transição, tal qual a passarela do Oscar, provê uma boa distração.

Parece fútil, mas em política não pode ter espaço vazio. E é melhor isso do que a nossa indignação sendo jogada para um lado e para o outro, feito bolinhas de pinball, pelo espetáculo grotesco de insultos e desvarios da finada Era Bolsonaro.

 

Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP)


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