Orgulho de Pedro

Orgulho de Pedro

 

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Desde muito cedo Pedro experimentou a severidade familiar. A humildade, como virtude inegociável, constituía o pilar central da educação imposta aos três filhos do casal. A palavra Orgulho possuía apenas um significado, o de Soberba, e por isso mesmo era palavra impronunciável no ambiente familiar.

Elogios não havia na vida de Pedro, as críticas sobravam. A exceção ocorreu quando sua mãe pediu que ele, menino de seis anos, limpasse e lubrificasse a máquina de costura Singer, equipamento indispensável para a economia doméstica, pois com ela Ophélia cortava e costurava calças, camisas e uniformes da escola para os três filhos. Findo o minucioso trabalho, Pedro rejubilou-se com o resultado: Muito bom, Que habilidade, Ficou ótima, Obrigada!

Tempos depois o menino desenhou na capa de um caderno escolar a palavra Geografia, e o fez com tamanha perfeição e arte que, inesperadamente, recebeu elogios de ambos os pais, Veja isso, Álvaro, que perfeição, É mesmo, teremos aqui um artista? E ficou nisso, essas foram as únicas vezes em que Pedro recebeu algum elogio durante toda a sua infância e adolescência.

Pedro nasceu com forte constituição psíquica, se é que existe esse tipo de coisa; possuía aguçada capacidade de observação e senso crítico extraordinário. Desde cedo percebeu que os pais tinham enorme dificuldade em lidar com a palavra Orgulho. Ambos tinham medo de que os filhos se tornassem pessoas arrogantes, vaidosas, fúteis, insolentes, enfim, mal-educadas, costumavam dizer. Pedro desconfiava que aquilo tinha a ver com preceitos religiosos rígidos, que nunca se tornaram explícitos. Ele apenas desconfiava, pois não podia imaginar que religião, mal interpretada, pudesse causar algum transtorno.

Daí que, quando certo dia voltou para casa à tardinha, orgulhoso da façanha — seu time de futebol de salão havia vencido por 10 a 1 e ele marcara 7 gols —, nada disse à família. Guardou bem fundo em seu espírito o orgulho de ser artilheiro.

Pedro cresceu, casou-se com Julieta, tiveram dois filhos, que nas tardes de domingo pediam ao pai que repetisse pela milésima vez a história da partida que terminou 10 a 1, com 7 gols do pai. Sentiam-se todos muito orgulhosos, como se tivessem participado do jogo.

Tendo escolhido a profissão de professor, Pedro desempenhou-a com entusiasmo e competência ao longo de quarenta anos, até que se aposentou. Ao longo de seu trabalho ouviu críticas, menosprezo — Quem não sabe fazer, ensina! Os elogios foram raríssimos, porém nunca duvidou da importância da carreira que abraçara. Mais que tudo, guardou dessa experiência o orgulho de ter sido professor.

Hoje, em tempos de pandemia, Pedro tem medo de perder o orgulho de ser brasileiro.

 

 

 

André Luiz Vianna, 74, mora em Brasília, é médico, PhD pela
Universidade de Londres, professor aposentado da Universidade
de Brasília e psicanalista formado pela Sociedade de Psicanálise
de Brasília.

 

 

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