O sujeito da solidão

O sujeito da solidão
Foto: Denny Muller/Unsplash

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


Procurei no Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, mas não encontrei palavra para designá-lo. Prosseguindo na lição-de-casa, consultei o Aurélio e o Houaiss; e – pasmem! –, eles não me acudiram.

Eis o resultado de minha pesquisa:

Solidão: estado do que se encontra ou vive só (Aurélio); estado de quem se acha ou se sente desamparado ou só (Houaiss); estado de quem está ou se sente sozinho (os Imortais).

Mas como chamar essa pessoa que vive/está só/sozinha, em estado de solidão? – É o que eu procuro saber.

Fui então ao Dicionário de Filosofia (de Nicola Abbragnano, na tradução de Alfredo Bosi); e vejam o que ele diz: “O isolamento dos outros ou a busca de uma melhor comunicação. No primeiro sentido Solidão é a situação do sábio […]. Fora deste ideal, o isolamento é um fato patológico […]”.

Quem vive em solidão é um sábio ou um doente?! – Com licença do filósofo, não concordo. Acho, apenas acho, que o indivíduo pode buscar a solidão simplesmente porque assim se sente melhor, ou mesmo encontra prazer nesse estado. Que indivíduo é esse?

Atinei-me da palavra “solitário/a”. Pode-se dizer que solitário é aquele que vive em solidão? – Voltei aos dicionários vernáculos, que me explicaram:

Solitário: Desacompanhado, isolado (Aurélio); relativo a solidão (Houaiss e os Acadêmicos).

Sim: o solitário vive isolado; o isolamento relaciona-se com a solidão. Mas isto não implica dizer (lógica aristotélica) que solitário é quem vive em solidão.

Já no Aurélio, soube que se denomina solidãoense quem nasce em Solidão. Porém, aí, “solidão” é um município do estado de Pernambuco…

Sei que existem muitos outros dicionários. Mas se nem o Aurélio, nem o Houaiss, nem nossos Imortais me explicam?!…

Talvez os sociólogos, os cientistas políticos tenham a palavra para designar quem vive na solidão, já que “o homem é um animal político/social” (Aristóteles), e, portanto, esse sujeito foge à regra, e então mereça estudo sócio-político. Mas, aí, eu mesmo diria que esse sujeito é simplesmente associal. Porém, tenho que o indivíduo associal não vive necessariamente em estado de solidão, e o fato de viver em solidão não quer dizer que o indivíduo seja necessariamente associal.

Lembro-me dos dicionários de Psicologia. O que dirão? – Provavelmente, descrevem analítica e profundamente o sujeito que vive em solidão. Mas o que eu procuro é uma palavra, somente uma palavra, para designar esse sujeito. E isso é tarefa dos dicionaristas do vernáculo, que não o dizem.

Vou ao Google, onde se encontra rapidamente a síntese de todos os saberes.

Não é o caso de transcrever aqui o que o Google diz acerca da solidão, porque se você está lendo este texto é porque é conectado à Internet, e pode ir ao Google. Digo apenas que o Google confirma a minha tese: “Solidão não é o mesmo que estar desacompanhado”, ou seja, só/sozinho. E prossegue, o Google, sociologizando sobre “a sociedade moderna”, filosofando sobre “a condição humana”, psicanalisando o sujeito da solidão. E termina por lhe indicar tratamentos!

Mas, afinal, quem é esse sujeito? É o deprimido/melancólico? – Parece que nem sempre o é. É o triste/aborrecido? – suponho que não necessariamente. É o misantropo? Não creio que todos o sejam.

Continua, pois, faltando-me a palavra para designar o “sujeito da solidão”.

Crio-lhe, então, um neologismo: solitano.

Doravante, quem vive em solidão será um solitano, que é diferente do solitário (aquele que, simplesmente, vive só).

Insira-se, pois, na ordem alfabética dos dicionários: Solitano – quem vive em solidão.

E quem se candidata a ser o primeiro solitano da língua Portuguesa?

Eu, por meio desta, me inscrevo.

Francisco Dias Teixeira, 66, é escritor. Procurador da República
aposentado, é bacharel em Direito (PUC/SP) e Filosofia (USP). Nasceu em Jequeri-MG e vive em São Paulo, capital, desde os 16 anos.

 

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