O luto dos outros

O luto dos outros

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de março de 2021 é “luto”


Apenas dois anos depois de eu nascer, em 1969, Elisabeth Kübler-Ross publicou seu livro On death and dying, do qual se extraiu uma fórmula psicanalítica (com ou sem o pseudo à frente da palavra) para se lidar com o luto e outras perdas inerentes à existência. Os controversos cinco estágios do luto, de qualquer forma, não contemplam a etapa prévia, o pré-luto.

O luto é mais do que a morte, do que a perda. Mortes são naturais – forçadas, planejadas ou previstas –, perdas são reparadas, substituídas, consumidas, sentidas e absorvidas. O luto generalizado na forma nefasta como se apresenta desencadeia outras agonias.

Vivendo em bolhas esclarecidas e sortudas pelo coronavírus não as ter ainda furado, vemos a morte, o sofrimento e o luto – não necessariamente nesta ordem. O conhecimento, a sapiência e o saber já se foram, liquidados da existência oficial de um desgoverno genocida. As vidas de 300 mil conterrâneos também foram ceifadas em misto de perplexidade e inconformidade. Inevitáveis foram muitas, metade delas, provavelmente, comparando-se com as frias estatísticas mundiais. Mas quente é o luto. Como classificar e entender esse luto iminente, o luto do outro na quase certeza da existência?

Seja como parte de uma terapia ilógica ou sem fundamentos ou como pura digressão, a fala por meio da escrita cumpre o papel de me colocar neste ingrato lugar de fala e dizer, se não para os outros, para mim mesmo: luto é luta!

 

Adilson Roberto Gonçalves, 53, é pesquisador
da Unesp, membro do Instituto Histórico,
Geográfico e Genealógico de Campinas,
da Academia de Letras de Lorena e da
Academia Campineira de Letras e Artes

 

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