Novíssima enciclopédia da política nacional

Novíssima enciclopédia da política nacional
(Arte Revista CULT)

 

As Gloriosas Jornadas de Junho

(2013-2014) Série de movimentos populares puxados por garotos de “coletivos” de esquerda e apoiados com paixão pelos tiozinhos da mesma ideologia, em que o Gigante Acordou e Veio Para a Rua e, desde então, só fez merda. Também conhecidas como as Revoltas do Não: Não é por 20 centavos, Não vai ter copa, Não Queremos Partidos. A sua grande contribuição ao Presente Nacional foi ter sangrado de morte a hegemonia política de esquerda de então e formatado um método depois adotado pelos Patos que os sucederam, dando razão ao princípio universal segundo o qual “a direita é a nova esquerda” e ao antigo ditado sumério que assegura que “a melhor qualidade da esquerda política é que ela começa a se devorar assim que consegue alguma hegemonia”.

 Revolta dos Patos

(2015-2016) Movimento dos Indignados Brasileiros que resolveram “não pagar o pato” e passar o Brasil a limpo, exigindo que a parte imaculada do Congresso retirasse, não importa como, o mandato popular da presidente recém-eleita, instaurando a partir daí um período de prosperidade econômica e de altíssimos padrões morais na política nacional. A sacrossanta fúria moral do movimento pregava que “primeiro a gente tira Dilma, depois a gente tira todos os outros corruptos”. Os Patos se notabilizaram na história brasileira por substituir uma democracia com corrupção por uma canalhocracia (vide) com ainda mais corrupção e ainda assim achar que deram um enorme upgrade moral na Nação.”

Orcrim

(2016-2017) Expressão usada pelo ex-Procurador Geral da República para se referir ao grupo de profissionais das manhas políticas que usou gostosamente a Fúria Moral dos otários indignados de 2013 a 2016 para ganhar a Presidência sem ganhar qualquer eleição, e passar a gerir os negócios da famiglia não mais nas sombras, como o fizeram por pelo menos 15 anos, mas agora com o controle da Presidência, do Congresso e, sobretudo, do caixa da República.

Canalhocracia

(2017-….) Regime político brasileiro muito em voga por volta do final da década de 2010. A Canalhocracia se instaurou no Brasil quando um grau muito alto de cinismo, advocacia descarada de interesses de facções políticas e absoluto desprezo material pelos valores da democracia liberal dominou, mesmo que em diferentes níveis, os três Poderes da República. Na canalhocracia, os discursos de faixada e as encenações cerimoniais no exercício republicano do Poder são tão pouco sinceros que mal disfarçam a luta ferrenha pela satisfação dos apetites e/ou por projetos políticos. Implantado entre 2016 e 2017, o regime canalhocrata encerrou o curto período de vigência da Democracia brasileira (1985-2016), mas também pôs fim às crenças populares de que são as ruas, e não a grana pública usada para fins particulares, que mandam nesta bagaça.

Lavajatismo

(2014- ….) Ideologia e mentalidade que surgiu para orientar um conjunto de investigações que visava apurar grande esquema de corrupção público-privada realizada no turno de guarda do PT, articulando Polícia Federal, Ministério Público e Justiça Federal. A Operação Lava Jato foi pensada para ser um erro de português e um acerto jurídico-midiático-moral capaz de consertar, de uma vez por todas, o Estado brasileiro. A partir das eleições de 2016, o lavajatismo se transformou em ideologia político-eleitoral. Segundo os seus principais ideólogos, do MP e da Justiça Federal de Curitiba, o lavajatismo é uma mentalidade e uma atitude segundo a qual acontecerá a depuração do Estado de toda espécie de corrupção assim que ocorrer a prisão de todos os corruptos, em breve. O lavajatismo tem apenas um foco e poupa a sua bala de prata para o único objeto de seu interesse, a corrupção, não se importando com clientelismo, patrimonialismo e fisiologismo, nem se incomodando com o seu acoplamento com mentalidades fascistas, ultraconservadoras e adversárias do Estado de Direito, como aconteceu durante o famoso campeonato eleitoral de 2018. Naquele episódio, o lavajatismo produziu a maior onda de punição eleitoral de candidatos corruptos, substituindo-os, em sua santa e curiosa purificação da classe política, por violadores de direitos humanos, nepotistas e inimigos jurados dos valores da democracia liberal, do Iluminismo e até do Humanismo Cristão.

Bolsotarismo

(2017-2018) Epidemia política que assolou o Brasil depois do cataclismo do impeachment em 2016 e que está sob efeito direto do lavajatismo (vide). O bolsotarismo foi a atitude de massa que sustentou o avanço do bolsononarismo, movimento ultraconservador de direita – 1/3 democrata, 2/3 fascista – que se tornou o principal vencedor das eleições gerais de 2018. Cientistas descobriram que o bolsotário típico é hospedeiro do vírus do antipetismo (vide), que lhe faz delirar que Bolsonaro é o “seu” candidato e que ele “vai ganhar a eleição”. Sociólogos notaram que os bolsotários não conseguem se dar conta de que, na verdade, são a cavalgadura dos ultraconservadores de direita, que, por sua vez, nunca chegariam ao poder não fosse o lombo vigoroso que os otários lhes oferecem. Constatou-se, além disso, que os bolsotários funcionaram na eleição de 2018 como os hospedeiros responsáveis pela introdução do bolsonarismo no sistema linfático do Estado brasileiro, espécie de cavalo de Tróia em cuja barriga se escondem os invasores do sistema.

Antipetismo

(2010-presente) Patologia que a psiquiatria política descreve como uma espécie de paranoia cujo principal efeito é o delírio de que se está cercado de ameaçadores e malvados petistas, esquerdistas, comunistas e artistas-rouanet por todos os lados e de que é preciso desesperadamente dar cabo deles. Em estado avançado do morbo e da alucinação que o acompanha, foram documentados antipetistas oferecendo a alma ao diabo pela módica contrapartida de que o próprio capeta oferecesse a última barreira contra o avanço dos demônios petistas que eles veem em todo lugar. Há registro de pelo menos um antipetista em estado gravíssimo que balbuciava incessantemente “eu vejo pessoas vermelhas”. Consta que ainda não foi encontrada cura para a moléstia e que os pacientes não respondem a terapias que consistem em apresentar dados e gráficos ou oferecer informações históricas e choques de realidade. Demais disso, há registros não confirmados pelas autoridades de que a doença se está alastrando pelo país em velocidade e intensidade assustadoras, sobretudo em função do fato de que os já acometidos pela enfermidade retiram inteiramente da sua dieta de informação o jornalismo de qualidade e o conhecimento científico, passando a depender inteiramente de memes e vídeos lacradores do WhatsApp.

 


> Leia a coluna de Wilson Gomes, todas as sextas, no site da CULT

(2) Comentários

  1. O que pra mim seria o trabalho de anos pra condensar, vem o Wilson Gomes e joga numa coluna, como se fosse uma sexta-feira qualquer. Obrigado por esse belíssimo texto.

  2. Começou bem, porém foi incompleto na história e terminou sendo tendencioso e partidário, revelando seu verdadeiro intuito. Movimento contra cultura se tornou limitado e vazio, como os últimos anos de governo. Espero que venha mais conteúdo, porque do jeito que está, até tirinha do Maurício de Souza tá batendo esse jornalismo crítico.

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