Neto de Nelson Rodrigues estreia na literatura

Neto de Nelson Rodrigues estreia na literatura

Marília Kodic

Mario Vitor Rodrigues, 37, não gosta de bebês – “vou adotar uma menina de 15 anos” –, mas é sensível quando se trata de animais: quer soltar os cavalos presos às carroças de Paraty, local onde a reportagem da CULT o entrevistou. É “ateu e agnóstico”, mas agradece aos céus quando seu time do coração, o Fluminense, faz gol. É confiante, mas, quando fala do lançamento do seu primeiro livro, fica nervoso: “sou ansioso demais”.

Abaixo, o carioca, neto do anjo pornográfico Nelson Rodrigues (seu pai, o cineasta Joffre Rodrigues, falecido no ano passado, era filho do escritor), de quem herdou a paixão pelo time, descreve o tema central de Absolvidos, que acaba de sair pela Nova Fronteira:

“É uma historia que envolve quatro amigos da época da faculdade que não se encontram há 10 anos: a Cecília, que mora em Milão, o Bernardo, em Nova York, o Diego, em São Paulo, e a Fernanda, no Rio de Janeiro. Eles conseguem marcar um encontro em Nova York, um jantar. Mas o encontro, que era para quatro pessoas, passa a ser com sete, e os sete passam então a manter contato, via internet e telefone. Certo dia, um deles faz uma proposta, defendendo a ideia de que os pecados capitais não deveriam ser vistos de forma tão pesada, que são as coisas mais básicas que o ser humano traz dentro de si. Ele é tão ferrenho na defesa que, ao final, faz um desafio: que tal se cada um escolhesse um pecado e o vivesse, o exaurisse?”.

Confira a seguir a entrevista com o escritor.

CULT – Os personagens foram inspirados em pessoas que você conhece?

É difícil escrever e não emprestar alguma coisa até da gente mesmo. E, claro, há influências. Mas ninguém específico.

O que fazem os personagens profissionalmente?

Todos se formaram em comunicação. A Cecília trabalha numa revista de moda, o Bernardo trabalha na indústria fonográfica, com música, o Diego é repórter político da Folha de S.Paulo e a Fernanda trabalha no segundo caderno do O Globo.

Você conheceu todos os países que descreve no livro?

Visitei todos os países. Foi fundamental, não poderia ter escrito se não tivesse feito isso. Tem cenas do livro que consegui descrever melhor por ter conhecido, e fiz também uma série de entrevistas.

Quanto tempo demorou para escrever o livro?

Quatro anos. Eu sempre tive pra mim esse conceito central de que o tempo passa voando, e que a gente se preocupa com uma série de coisas que são pura perda de tempo. Não estou defendendo que a gente saia por aí sendo o extremo do politicamente incorreto, mas, a rigor, a gente também não pode caminhar no outro extremo, que é achar que nascemos com uma culpa.

Você fala muito sobre a passagem do tempo. Se sente satisfeito com o que fez com seu tempo até agora?

O que é bom na vida é você querer mais. Por exemplo, para mim, viajar é um sonho, e eu estou pesquisando com afinco como fazer para dar a volta ao mundo – orçamento e tudo mais. Mas e se eu der a volta ao mundo? No dia em que eu terminar, e aí? Eu vou para onde? Claro que isso de morrer aos 40, de estar cansado, não querer dar trabalho, é um pouco de exagero. Acho só que cada dia tem que valer a pena. Minha vizinha morreu agora com 104 anos. Por favor, não me deixe chegar aos 104.

Você acredita no sentido cristão de pecado?

Não mesmo. O problema não é a fé. E o nome é o de menos – se é Deus, se é Iemanjá, se é o Saci Pererê. O problema somos nós. Tudo isso – o pecado, a necessidade da igreja de doutrinar, de estabelecer parâmetros – é o homem. Eu não consigo levar a sério por isso. Tudo bem, talvez num país tão adepto a estas questões, eu reme contra a maré. Mas não me incomodo com isso. A minha sinceridade é essa. Acho uma grande besteira. O conceito cristão de crime e pecado é démodé.

E qual é o pecado que mais combina com você?

Gula e luxuria. São coisas nossas. Além de as duas serem deliciosas, elas são necessárias. Acho que a ira às vezes é ótimo – seja dando uma topada no pé da mesa e, vendo estrelas, xingar tudo, seja num estádio de futebol, seja na rua mesmo, quando alguém te fecha no transito… acho que são coisas necessárias. A preguiça deve ser a mais destrutiva, porque beira a depressão.

Você viveu intensamente todos eles?

A gula foi a que mais vivi intensamente. Fui a São Paulo e fiquei duas semanas comendo. Feijoada, carne, yakissoba na [Avenida] Paulista – aquele mesmo que vem com salmonella, com a “carburada” do ônibus que passou – e tudo mais.

E como é seu processo de escrita, tem uma rotina?

De tão virgem que sou nisso tudo, de tão novo, me vejo como aquela menininha com picolé e cachinhos. Não sabia de nada. E, na ignorância, eu imaginava que, para escrever, tinha que estar inspirado. E aí meu avô, o Nelson Rodrigues, tem uma frase muito boa: “Escrever é confeitaria”. É trabalho. Ele acordava todo dia, tomava um belo de um banho, e sentava pra escrever. E, é claro, nem sempre vai sair uma obra-prima, mas é o hábito, o costume, disciplina. A diferença é que eu adoro a madrugada, então nunca vou acordar, tomar um banho e escrever. É de noite que boto um sonzinho e fico escrevendo.

Você conviveu oito anos com seu avô…

Quando ele faleceu, eu estava fazendo oito anos. Eu morava em Milão, onde passei minha infância inteira, e vínhamos nas férias escolares, no meio do ano, para visitá-lo. Minha referência sempre foi do meu avô. Não do ídolo, do anjo pornográfico, mas do avô. Um cara que me ensinou a ser fluminense. Eu sentava no colo dele, brincava com verruguinha no pescoço. Era isso. Hoje em dia, depois de um tempo, comecei a entender quem era. Mas a referência sempre foi essa.

Ele era um avô “fofo”?

Ele sempre foi extremamente galanteador, inclusive com os netos. Muito carinhoso. Mas de uma maneira formal. Pegar no colo, elogiar a inteligência, falar “tô de olho”… tinha um carinho tímido. Naquela época, era muito gozado, o barbeiro ia à casa da minha avó, e fazia a barba do meu avô na varanda. Eu olhava e achava aquilo o máximo. Meu avô era o rei.

Que parte ele tem na sua decisão de se tornar escritor?

Acho que a influência é tácita, mas não foi planejado. Tinha ele, o Mário Filho, irmão dele, que era um espetáculo, o meu pai, que fazia cinema. Enfim, a família toda sempre se envolveu com arte, com teatro, com cinema, com livros.

Tem planos de escrever o próximo livro?

Sim. Neste ano eu fiz uma grande viagem para Londres, Paris, Istambul, Cairo e Roma já pensando no segundo. Tem a ver com nacionalismos, com piratas, com questões históricas. Vai ser ótimo, estou animadíssimo.

(3) Comentários

  1. Muito bom. A entrevista, com o jo (hoje), foi sensacional. Amanhã estarei no lançamento, na travessa. A inquietação forma os melhores escritores.

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