Não há tempo a perder!

Não há tempo a perder!
Em setembro, convidamos nossos leitores a refletir sobre o que nos conecta (Arte: Cynthia Gyuru/Revista Cult)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de setembro de 2020 é “conexão”.


Eduardo se conectou à Raquel há quarenta anos, quando dois adolescentes se apaixonaram perdidamente. Amor instantâneo. Almas gêmeas. Casaram-se e tiveram filhos – duas meninas. Juraram amor eterno. Já que nada é eterno, nem o amor, Eduardo, sem se desconectar de Raquel, entrou em umas conexões furtivas por aí. Raquel sabia. Pressentia. Preferia não pensar. Olhos fechados – conselho de avó.

O casamento ia bem, até que uma terceira pessoa, extremamente suspeita, começou a se aproximar do casal: Priscila. Conectada a Rodrigo, parecia querer uma conexão paralela com Eduardo. Raquel percebeu. Impôs-se.  Deu avisos prévios. Erro gravíssimo: dar avisos prévios, no plural. Um só deveria bastar, antes da desconexão total.

Raquel e Eduardo continuavam aparentemente conectados e Priscila tentava romper essa conexão um tanto desconectada. E conseguiu. Rodrigo, que também se conectava furtivamente com outras mulheres, não aceitou. De Priscila, desconectou-se. Raquel, ariana teimosa, se manteve firme. Julgava ser uma conexão fugaz, sem força para prosseguir. Ledo engano. A cada dia, marido e mulher se desconectavam e marido e, agora, amante assumida, se conectavam cada vez mais. Até que Eduardo decidiu cortar a conexão oficial de vez. Desligou os cabos e sumiu da vida de Raquel.

Eduardo e Priscila em uma conexão fatal e Raquel desconectada de si e do mundo. Achou melhor não procurar outra rede. Conectar-se a outro homem? Nem pensar! A desconexão havia sido traumática, o que gerou uma aversão a uma nova conexão amorosa. Mas como é muito difícil viver desconectada de tudo, Raquel se conectou aos amigos e ao mundo. Expôs-se, saiu, dançou, viajou, namorou – conexões fugazes, sem contrato prolongado – estudou, escreveu, publicou e hoje está conectada ao universo através da arte. Eduardo e Priscila se desconectaram após alguns meses. Conexões em alta velocidade podem se desfazer em minutos.

Hoje, Eduardo não se conecta a ninguém, nem a nada. Vive recluso, deprimido e arrependido. Sua conexão estável, que deveria ter sido eterna, lhe faz falta. Raquel não se conectou a outro amor e vive a vida como se a rede fosse cair a qualquer momento. Não há tempo a perder!

 

Déa Lucia Araujo de Castro, 59, é de Juiz de Fora, Minas Gerais. Dentista aposentada, atualmente cursa Letras na UFJF. Começou a escrever e divulgar seu trabalho durante a quarentena.

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