Música e perspectiva

Música e perspectiva
(Foto: Montvlov/Arte Revista Cult)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de janeiro de 2021 é “perspectiva”.


Encontrei Carolina no ônibus voltando para casa, estava furiosa por ter perdido seu fone de ouvido. “A música me fazia enxergar o mundo sob outra perspectiva, dava cores a tudo. Agora não, sinto tudo ao meu redor, escuto todo o som de cansaço dos passageiros, sinto todo o descaso social, vejo a criança nas ruas com fome pedindo esmola, vejo tudo cinza”, lamentou. A música em seus ouvidos, para ela, não era apenas um entretenimento comum, mas sim, uma forma de fechar os olhos, usar um escudo, se torna inabalável, enquanto a música a guiava para um lugar melhor. Quando a gente assume uma postura de enxergar tudo de olhos bem abertos, nos deparamos com as injustiças sociais, sentimos cada buraco na rua, cada lixo na calçada, a barriga vazia de cada criança. Algumas pessoas preferem sofrer, preferem usar sua energia denunciando, mas para isso, é preciso coragem e disposição. Carolina olhava para janela do ônibus com cara de cansaço, só queria chegar em casa. Emprestei um fone de ouvido para ela descansar, ela abriu um sorriso e disse: “Nem tudo está perdido.” Quando Carolina aceitou minha generosidade, assumiu que existe outra perspectiva além dos problemas sociais, que por trás de toda essa loucura, existe luta, existe amor. Perguntei se não prefere ver as coisas nos mínimos detalhes, observar o que se passa em sua volta, ao invés de se distrair, fechar as portas e viver um falso colorido. Ela disse que sim, prefere uma dura realidade a uma falsa alegria. Ao descer do ônibus, se esfregou nas pessoas, correu até a porta de saída do ônibus, tropeçou nas escadas, bateu no lixo e comprou um fone novo.

Bruno Ferreira, 35 anos,
é apaixonado por literatura.

 

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