Organizações do movimento negro denunciam pacote anticrime a órgão internacional

Organizações do movimento negro denunciam pacote anticrime a órgão internacional
(Foto: Divulgação)

 

Organizações do movimento negro – entidades da sociedade civil organizada de defesa dos Direitos Humanos – protocolaram, nesta quarta-feira (20), uma denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), sobre o pacote anticrime apresentado ao Congresso Nacional pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. O documento, que já está em análise, pede um posicionamento do órgão sobre as medidas e que disponibilizem um observador internacional para acompanhar o caso no Brasil.

Entre as organizações que assinam constam a Uneafro Brasil, Alma Preta, Aparelha Luzia, CEERT, Cooperifa, Bloco Afro Ilú Obá de Min, Casa no Meio do Mundo, Desenrola e Não me Enrola, Movimento Negro Unificado, Marcha das Mulheres Negras, Núcleo de Consciência Negra na USP e Fórum Permanente de Igualdade Racial, entre outras mais de 30 entidades. Leia abaixo na íntegra.


Entidades da sociedade civil organizada, representantes da população afro-brasileira, periférica e favelada que subscrevem este documento, dirigem-se respeitosamente a Vossas Senhorias, a fim de informar sobre a grave ameaça de violação de direitos expressa no conjunto de propostas de alteração da legislação penal brasileira, contida no denominado “Pacote  Anticrime”, apresentado pelo Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que  deverá ser apreciado e debatido pelo Congresso Nacional nos próximos dias.

O conjunto de propostas, que visa alterar leis federais na área penal, processual penal e de combate à violência, tem gerado, desde sua apresentação pública em 4 de fevereiro de 2019, amplo debate e muitas críticas por parte de juristas, acadêmicos, especialistas e sobretudo das organizações da sociedade civil.

A gravidade que tais modificações podem representar à segurança pública e à vida de milhares de cidadãos e cidadãs brasileiras, sobretudo da população negra e pobre, nos motiva a apresentar este documento a esta Comissão, no sentido de requerer manifestações e incidências junto ao Estado brasileiro, conforme se relata a seguir:

Contexto político

Nos últimos anos direitos sociais foram violentamente atacados, investimentos públicos em políticas sociais voltados para os mais necessitados foram congelados, decisões que afetam principalmente a população negra, que representa 70% dos mais pobres. Uma série de legislações de recrudescimento do estado penal, inclusive intervenções militares em algumas capitais brasileiras tais como Rio de Janeiro e Fortaleza, no Ceará, aumentaram ainda mais o número de negros presos e mortos.

Mas a situação política brasileira passou a inspirar ainda mais preocupação aos defensores da democracia em todo o mundo. Com a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, o poder central do país repousou sobre o colo de um grupo político que se coloca explicitamente contrário aos valores de direitos humanos e, pior, que expõem suas predileções por políticas favoráveis ao recrudescimento penal, à força e à violência como prática formal da ação policial, o encarceramento em massa, a relativização de métodos de tortura e a criminalização de movimentos sociais. Ao mesmo tempo, este governo dá início a práticas de cortes de direitos sociais, o que atinge em cheio a população negra, contingente sobrerrepresentado entre os mais pobres, e, portanto, os que mais precisam de serviços públicos do estado.

É neste contexto que o ministro da justiça e segurança pública, o ex juiz Sérgio Moro, apresentou seu segundo ato à sociedade brasileira. No primeiro, há poucas semanas, contra todas as evidências e os mais respeitáveis estudos sobre a ineficácia da medida, formulou o decreto
9685/2019, assinado pelo presidente Bolsonaro em 15 de janeiro, facilitando a posse de armas aos cidadãos e cidadãs brasileiros e brasileiras.

Seu segundo ato, denominado “Pacote Anticrime”, mais abrangente, pretende reformar aspectos significativos das leis penais brasileiras, avançando mais uma vez na contramão dos mais importantes estudos e experiências que comprovam que o recrudescimento penal, o super-encarceramento e o aumento de mortes promovidas por agentes do estado jamais significaram solução para o problema da violência e da insegurança que assolam as diversas sociedades. Além disso, seu “Pacote Anticrime” contraria as recomendações da sentença do caso Favela Nova Brasília, desta própria corte e que, inclusive, ainda não foram devidamente cumpridas pelo governo brasileiro, nem mesmo as menos complexas.

Reafirmo uma vez mais a sentença de 16 de fevereiro de 2017, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Favela Nova Brasília, em seus aspectos de Mérito, Reparações e Custas. Esta tratou da execução extrajudicial de 26 pessoas, por agente oficiais do estado, prática  lamentavelmente corriqueira no Brasil, e que estará fadada a se tornar ainda mais recorrente, caso as medidas propostas pelo atual governo alcance apoio no Congresso.

A referida sentença determina 17 medidas que vão de reparação às vítimas ao enfrentamento da violência policial. Exatamente dois anos depois da condenação, o Brasil não cumpriu as determinações. Diversas das recomendações estão com prazos de execução vencidos. As atuais medidas propostas pelo governo brasileiro, objeto desta denúncia, ignoram os pressupostos e o mérito na análise, julgamento e deliberação desta Corte, uma vez que a tendência é que os efeitos das mudanças propostas aumentem, por um lado, a violência por parte de agentes da segurança pública e por outra, diminua a chance de averiguação e investigação de crimes e responsabilização de culpados.

Contramão da história

Após muitos anos de denúncias das práticas sistemáticas de violência do estado e do genocídio negro e de muita pressão popular, sobretudo dos movimentos negros organizados e dos setores de defesa de direitos humanos, o Senado Federal instituiu em 2016 a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o Assassinato de Jovens. A partir de 29 reuniões e audiências públicas, o resultado foi categórico: o Estado brasileiro promove, por meio de suas políticas de segurança pública, aliadas à falta de investimento e fomento de oportunidades aos mais pobres, em especial à população negra, um verdadeiro genocídio da juventude brasileira.

O Relatório Final, de 155 páginas, resultante dos trabalhos da CPI, traz considerações extremamente graves sobre os índices de violência. Segundo ele, o Brasil “vive em guerra civil não declarada” (SENADO, 2016, p. 145). A polícia brasileira, que constitui o braço armado do Estado, matou em cinco anos mais do que a polícia norte americana em 30 anos de trabalho. Em média, cinco pessoas são assassinadas pela polícia diariamente. Contudo, o risco de ser vítima de homicídio doloso não se dá de modo aleatório e indiscriminado – existe um perfil explícito dos principais alvos: jovens (53%), negros (77%), do sexo masculino (93%).

Isto fica evidente na declaração de que a “cada 23 minutos ocorre a morte de um jovem negro no Brasil” (SENADO, 2016, p. 32). Assim, após um trabalho grandioso e exaustivo, a CPI chegou à seguinte conclusão: “o Estado brasileiro, direta ou indiretamente,  provoca o genocídio da população jovem e negra” (SENADO, 2016, p. 145).  Muitas publicações de centros de pesquisas e registros de discursos de ativistas e militantes dos movimentos sociais, especialmente do movimento social negro, há muito tempo denunciam o extermínio da população negra no país.

No entanto, o relatório desta CPI possui outro caráter. Trata-se de um documento produzido pelo Senado Federal e, portanto, pelo próprio Estado brasileiro, que admite categoricamente que os números de homicídios “revelam uma realidade que não podemos descrever senão pela palavra genocídio” (SENADO, 2016, p. 117). Portanto, este Relatório assume um vulto de importância sem precedentes. Quando o próprio Estado brasileiro admite que os jovens negros são os principais alvos de uma política de extermínio que mata anualmente quase 60 mil pessoas, e que “este processo de genocídio está umbilicalmente marcado pelo racismo institucional” (SENADO, 2016, p. 146), ninguém mais poderá contestar o que já vinha  sendo denunciado há décadas.

Dentre os diversos e importantes estudos que conformam ampla literatura de conhecimento e aprofundamento nas questões relacionadas à violência e segurança pública no Brasil, destaca-se os Atlas da Violência, produzido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que em sua edição do ano de 2018 relata que em 2016, o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517 homicídios, segundo informações do Ministério da Saúde (MS). Isso equivale a uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes, que corresponde a 30 vezes a taxa da Europa. Apenas nos últimos dez anos, 553 mil pessoas perderam suas vidas devido à violência intencional no Brasil. Quando analisamos a violência letal contra jovens, verificamos, sem surpresa, uma situação ainda mais grave e que se acentuou no último ano: os homicídios respondem por 56,5% da causa de óbito de homens entre 15 a 19 anos.

Quando considerados os jovens entre 15 e 29 anos, observamos, em 2016, uma taxa de homicídio por 100 mil habitantes de 142,7, ou uma taxa de 280,6, se considerarmos apenas a subpopulação de homens jovens. A juventude perdida é um problema de primeira importância no caminho do desenvolvimento social do país e vem aumentando numa velocidade maior nos estados do Norte. Ainda de acordo com o Atlas, a desigualdade das mortes violentas por raça/cor se acentuou. Os dados demonstram que a taxa de homicídios de indivíduos não negros diminuiu 6,8%, ao passo que a taxa de vitimização da população negra aumentou 23,1%.

Assim, em 2016, enquanto se observou uma taxa de homicídio para a população negra de 40,2, o mesmo indicador para o resto da população foi de 16, o que implica dizer que 71,5% das pessoas que são assassinadas a cada ano no país são pretas ou pardas. O Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência, ano base 2015,  demonstrou que o risco de um jovem negro ser vítima de homicídio no Brasil é 2,7 vezes maior que o de um jovem branco.

Já o Anuário Brasileiro de Segurança Pública analisou 5.896 boletins de ocorrência de mortes decorrentes de intervenções policiais entre 2015 e 2016 – correspondente a 78% do universo das mortes no período -, e, ao descontar as vítimas cuja informação de raça/cor não estava disponível, identificou que 76,2% das vítimas de atuação da polícia são negras. Numa outra seção, o Atlas enfatiza o papel central que uma política de controle responsável de armas de fogo exerce para a segurança de todos. Entre 1980 e 2016, cerca de 910 mil pessoas foram mortas por perfuração de armas de fogo no país. Uma verdadeira corrida armamentista que vinha acontecendo desde meados dos anos 1980 só foi interrompida em 2003, quando foi sancionado o Estatuto Desarmamento.

O fato é que, enquanto no começo da década de 1980 a proporção de homicídios com o uso da arma de fogo girava em torno de 40%, esse índice cresceu ininterruptamente até 2003, quando atingiu o patamar de 71,1%, ficando estável até 2016.  Naturalmente, outros fatores têm que ser atacados para garantir um país com menos violência, porém, o controle da arma de fogo é central. Não é coincidência que os estados onde se observou maior crescimento da violência letal na última década são aqueles em que houve, concomitantemente, maior crescimento da vitimização por arma de fogo. Por fim, é importante lembrar também, para complementar o propósito deste documento, que o debate sobre a necessidade de dar fim às medidas administrativas que permitem que mortes promovidas por policiais sejam registradas como “autos de resistência” e “resistência seguida de morte”, ocupou a cena pública e chegou à Câmara Federal na forma do Projeto de Lei 4471/2012.

A referida medida foi criada no período da Ditadura Militar para legitimar a repressão policial da época e segue sendo usada até hoje para encobrir crimes. Não existe uma Lei para esta medida, porém ela está amparada em alguns dispositivos legais como, por exemplo, o artigo 292 do Código do Processo Penal brasileiro. Fato comprovado em dezenas de processos judiciais em todo o país, casos registrados como “auto de resistência” ou “resistência seguida de morte” são comumente utilizados como forma de não se investigar situações em que vítimas são executadas sumariamente por agentes do estado.

O “Pacote Anti Crime” ignora fatos, evidências, pesquisas, elaborações acadêmicas e científicas, além de toda a mobilização da sociedade em torno do tema, e propõe algo dissonante ao que vem sendo discutido e defendido como solução para o grave problema de segurança pública vivida no Brasil. Como não caracterizar tais iniciativas como deliberados ataques e violações aos direitos humanos em nosso país?

Das propostas apresentadas

As propostas apresentadas ao Congresso Nacional sugerem alteração de 14 pontos do  Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal, Lei de Crimes Hediondos e Código Eleitoral. Segundo o formulador das propostas, tais mudanças têm como objetivo “combater crimes violentos, organizações criminosas e a corrupção” no país. Em anexo a este documento, segue a íntegra da proposta do governo, enviado ao Congresso.

Sobre as violações de direitos

Prisões em segunda instância

Atualmente a Lei prevê que ninguém pode ser preso senão em flagrante ou após um processo transitar em julgado (tiver todos os recursos esgotados). Ao formalizar prisões em segunda instância, abre-se mão do direito à presunção da inocência, o que levará ao cárcere inúmeras pessoas que não tiveram sua sentença definida. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, no Brasil 40% da população prisional é composta por presos provisórios, ou seja, cidadãos e cidadãs que seguem encarcerados sem julgamento definitivo. A medida proposta levará ao agravamento das condições já desumanas das prisões brasileiras, sucateadas e superlotadas.

Mesmo a recente implementação das audiências de custódia se mostra insuficiente diante do contexto e sua forma de aplicação. Pesquisa feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre os primeiros anos de adoção da medida a pedido do Conselho Nacional de Justiça demonstra claramente as dificuldades de denúncia de violência policial. Apesar disso, o estudo aponta que houve violência denunciada – executada, em sua maioria, por policiais militares – em mais de 20% dos casos analisados.

A questão da Legítima Defesa

Hoje a Lei que define legítima defesa a coloca como situação em que a pessoa, “usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Já a nova proposta considera como legítima defesa que agentes policiais ou de segurança pública previnam agressões em conflitos armados. Entende-se como prevenção, agir antecipadamente a fim de impedir um provável ataque, ou “atirar primeiro” na situação em que o agente, individual e subjetivamente, entender necessária.

Menor rigor da lei em casos de assassinatos cometidos por agentes do estado – Excludente de ilicitude

Vinculada à questão da interpretação pelo juiz sobre o conceito de legítima defesa, a ampliação do “excludente de ilicitude” deverá diminuir as investigações de mortes cometidas por policiais, dando margem para o aumento da letalidade policial, que já é uma das maiores do mundo. O novo § 2o do art. 23 do Código Penal, a partir da proposta apresentada, autoriza o juiz, ao analisar requisitos de legítima defesa, deixar de aplicar a lei e a pena prevista caso o “excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Tal proposta contraria, como já citado, sentença desta corte no caso Favela Nova Brasília, mais especificamente as recomendações “c”, “d”, “e”, “f”, “g” e “h”, que tratam justamente da criação de mecanismos mais efetivos para investigação e punição destes casos, reconhecendo o grau de impunidade e sugere capacitar os agentes policiais, dentre outras medidas. A proposta caminha na direção contrária a tais recomendações.

Também é grave o consentimento à autoridade policial para, no caso de prisão em flagrante, afastar a necessidade de efetuar a prisão nos casos considerados como legítima defesa ou outra razão de excludente de ilicitude. Não se vislumbra qual benefício à segurança pública se obtém
com o afastamento do controle jurisdicional, realizado por magistrado, de legítima defesa, permitindo à autoridade policial, dos mais diversos rincões brasileiros, livrar o acusado segundo
seu próprio arbítrio.

Importação do “plea bargain”

Essa prática possibilita acordos entre a justiça e o investigado. O “plea bargain”, como é conhecido nos EUA – país que mais prende no mundo -, consiste em acordo entre a promotoria e o réu. Com receio de responder por crime mais grave, o acusado se sente pressionado a aceitar o acordo mesmo sem ser culpado. Na prática, os presos têm negada a ampla defesa, direito do
contraditório, e uma série de direitos fundamentais no processo penal. Ainda assim, naquele país existe um sistema de freios, pois os promotores são eleitos, tendo o mínimo de representatividade da população no judiciário. No Brasil, onde a população negra declarada chega a 52%, não é possível ver essa representação nos promotores de justiça, pois aqueles que serão responsáveis pelos acordos, caso o sistema proposto seja implementado, são concursados.

O projeto pretende que negros e negras sequer tenham direito ao devido processo legal, e também fiquem a mercê de promotores descomprometidos com a realidade brasileira. A título de informação, o último Censo do Poder Judiciário feito em 2013 mostrou que apenas 15,6% dos magistrados brasileiros eram negros, onde deste conjunto, 14,2% se declaram pardos  e 1,4%, preto. Considerando o recorte por gênero, 1,4% dos homens se declarou preto e 15% pardos. Entre as mulheres magistradas, 1,5% se considerava preta e 12,7%, pardas. Procuradores e promotores do MP (Ministério Público) no Brasil são majoritariamente homens e brancos, com cerca de 43 anos e filhos de pai com nível superior.

Da Conclusão e dos Pedidos

Diversos juristas, acadêmicos, grupos e organizações que se dedicam ao tema da segurança pública se manifestaram em todo país, desde a divulgação do pacote em questão. Aqui destacamos alguns apontamentos:

Nos planos do sr. Moro, quando envolvidos em homicídios, policiais podem ter quase como certo responder aos inquéritos em liberdade, carta branca para ameaçar testemunhas e cometer mais mortes (…) E, como brinde, terão a redução pela metade da pena, que deixará de ser aplicada se decorrer de ‘escusável medo ( sic), surpresa ou violenta emoção’, uma delirante exclusão de criminalidade. Esse pacote não vai trazer melhoria na segurança pública para ninguém.

Paulo Sérgio Pinheiro, Ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos (2001-02), ex-coordenador da Comissão Nacional da Verdade (2013) e presidente da Comissão Independente Internacional de Investigação da ONU sobre a Síria

As mulheres negras vão ser cada vez mais afetadas, já que são vítimas de violência policial e são as mães dos jovens negros mortos pela polícia

Daniella Meggiolaro, advogada criminalista e diretora do IDDD (Instituto de Defesa do direito da Defesa)

O projeto legislativo apresentado pelo Ministro Sérgio Moro é marcado por inúmeros vícios de técnica legislativa e, além disso, propõe a alteração de institutos já consolidados da ordem jurídica brasileira, de forma absolutamente indevida. Para exemplificar, altera-se o dispositivo do Código Penal que disciplina a legítima defesa, por meio da introdução de disposição absolutamente vaga e que confere, praticamente, salvo conduto para a atuação violenta de  agentes policiais. A atividade policial, a depender da interpretação que se dê à norma (e se o intuito do projeto é endurecer o Direito Penal, a tendência é a de que as interpretações dele sejam feitas com essa mesma lógica), será suficiente para que configure situação de legítima defesa. Trata-se de inequívoco absurdo, que legitimará inúmeras ações violentas, que recaem essencialmente sobre a população mais carente.

Dr. Conrado Gontijo, criminalista e professor de Direito Penal do IDP-São Paulo

A lei penal é algo muito grave para ser apresentada de afogadilho, como panaceia (…) Praticamente dá licença para que o policial mate em qualquer situação, bastando alegar que se sentiu em risco. Morrerão mais pretos e pobres.

Luiz Fernando Pacheco, advogado criminalista.

Falta uma visão de conjunto do direito penal brasileiro e internacional (…) O certo seria ouvir organismos da sociedade que já trabalham com os temas.

Alfredo Attié Junior, desembargador, presidente da Academia Paulista de Direito.

O projeto é um incentivo à matança indiscriminada nas favelas e periferias. Provocará um aumento da população carcerária.

Antônio Carlos Almeida Castro, Kakay, advogado

O que está se propondo na verdade é a implantação da pena de morte no Brasil em tempos de paz. Entretanto, quem decretaria essa execução em tais casos não seria um magistrado, sob a égide de garantias processuais, previstas mesmo em momentos de guerra.

Luiz Alexandre Souza da Costa – Major da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, mestre em Ciências Jurídicas e Sociais e especialista em direito penal

Quando ele diz que um juiz poderá deixar de impor uma pena ao agente público se “o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. Falta definir “medo” e “violenta emoção”. Os policiais cariocas que mataram um cidadão que empunhava uma furadeira e outro que carregava um guarda-chuva tiveram medo, foram surpreendidos ou estavam emocionados?

Elio Gaspari, escritor – O Globo

Muitas outras importantes vozes da opinião pública brasileira se levantaram contra as absurdas investidas contidas nas referidas propostas como solução para a complexa realidade que cerca o crime e a corrupção no Brasil. Entendemos que para combater a violência é preciso enfrentar as desigualdades e não aprofundar o experimentado e falido método punitivista. Não há dúvidas de que a adesão do parlamento e do estado brasileiro às referidas propostas significará drástico aumento do encarceramento, das mortes e do genocídio negro no Brasil.

As formulações colocadas se dedicam a recrudescer penalidades e autorizar a violência policial sem custos ou punição para assassinos, que passariam, então, a agir sob a proteção da lei. Ao mesmo tempo, o projeto ignora temas importantes para o setor, como a reorganização federativa, o funcionamento das polícias – e suas carreiras e estruturas de governança, gestão ou sistemas de informação ou inteligência. Também não há clareza sobre ações dos governos estaduais e da União no enfrentamento da corrupção policial – um dos aspectos que contribui para o surgimento de milícias.

É extremamente grave que o projeto tenha sido elaborado sem consulta aos profissionais de segurança, à sociedade civil organizada, ao movimento negro, ao Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, dentre outros órgãos. No mesmo sentido, é de se lamentar que o pacote anunciado não considere planos e projetos anteriormente formulados, como o Plano e a Política Nacional de Segurança Pública editados pelo próprio governo federal em dezembro passado, bem como não demonstre considerar as evidências empíricas sobre o que funciona ou não na segurança pública. É absurdo, como já apontado acima, que se ignore os resultados de duas CPIs sobre mortes de jovens, realizadas pela Câmara Federal em 2015 e pelo Senado Federal, em 2016.

Por fim, cabe destacar que as leis atuais já garantem que os policiais não sejam punidos por matar. Daí a luta dos movimentos sociais e do movimento negro para dar fim à prática e à cultura da “resistência seguida de morte” e dos “autos de resistência”, ainda hoje ação administrativa
deliberadamente utilizada em delegacias de todo o país, com o reconhecido objetivo de justificar assassinatos promovidos por agentes do estado.

Diante de todo o exposto, mostram-se notórios os riscos à democracia, à ordem  constitucional e aos direitos consagrados pela Convenção Americana de Direitos Humanos, notadamente das pessoas negras, pobres e moradoras das favelas e periferias do Brasil. Considerando a ampla maioria de parlamentares comprometidos com a aprovação das propostas daí oriundas e a consequente dificuldade em impedir a aprovação das medidas apresentadas, faz-se necessária uma emergencial ação no sentido de fortalecer as iniciativas das organizações da sociedade civil em suas incidências juntos aos parlamentares, à interlocutores no governo e a opinião pública como um todo, uma vez que apenas com muita pressão popular será possível reverter a atual situação.

E solicitamos à esta Comissão Interamericana de Direitos Humanos:

a) Seja emitido posicionamento público contrário às medidas propostas por Sergio Moro como alternativas à solução da corrupção, da violência e da crise na segurança pública no Brasil, bem como direcionar tais apontamentos aos parlamentares do Congresso Nacional, ao Ministério da Justiça e à Presidência da República Federativa do Brasil.

b) Sejam enviados observadores internacionais para acompanhar os trâmites destas propostas nas comissões e nas votações em plenário do Congresso Nacional, com o intuito de comentar e se posicionar publicamente a cada momento,emitindo tais entendimentos à opinião pública brasileira.

c) Seja estabelecido um canal de diálogo permanente com o movimento negro brasileiro, que está dedicado à crítica às medidas anti-democráticas e de aprofundamento do genocídio negro no Brasil, por parte do atual governo.

d) Sejam adotadas outras medidas que esta Comissão Interamericana considere pertinentes para a garantia dos direitos da população negra, pobre, moradora de favelas, periferias urbanas e do campo.

e) Que sejam possibilitadas audiências junto à esta comissão para que organizações do movimento negro brasileiro possam apresentar suas demandas e registrar suas impressões sobre o momento político brasileiro.

Agradecemos antecipadamente a atenção dispensada e colocamo-nos à disposição desta Comissão Interamericana de Direitos Humanos para quaisquer informações complementares e/ou providências que se façam necessárias.

(2) Comentários

  1. Estamos a a vivenciar tempos tenebrosos. Infelizmente, por falta de conhecimento – a elite(Poder) não oferece meios do pobre incluir-se, sobretudo por não ser proporcionado ao pobre fazer escolha, justo por não haver direito a liberdade. É primordial que os desfavorecidos estejam sempre de atalaia, detectando tudo o que for contrário aos direitos sociais.

  2. Entre tantas besteiras e inverdades escritas, uma está certa.
    O período citado nos dados apresentados.
    O período mais vezes relatado abrange os últimos 25 anos, período de governo comuno/ socialista de FHC, LULA e DILMA.

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