Moro, o retorno do predestinado ao trono

Moro, o retorno do predestinado ao trono
As possibilidades de que Moro venha a expandir para além do recorte do bolsonarismo são mínimas (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters vídeo: AFP)

 

Sérgio Moro tem uma coisa em comum com Aécio Neves: a convicção de que a Presidência da República deveria ser sua por direito e merecimento. Aécio pautou-se a vida inteira pela certeza de que esse era o seu legado familiar como neto de Tancredo Neves. E era tanta a confiança que, quando a realidade lhe fechou a porta na cara, tudo o que ele conseguiu pensar foi que, definitivamente, aquela eleição não tinha sido perdida, mas roubada. Sabemos como tudo isso terminou.

Moro tem a mesma serena convicção de que fez por merecer governar este país e de que as pessoas precisam apenas cumprir a liturgia do voto para que ele seja reconhecido como o 39º presidente do Brasil. Foi ministro de Bolsonaro com a certeza de que era muito maior do que aquele governo e aquela pessoa que ele ajudou a eleger. Aceitou ser entronizado no Ministério da Justiça como parte natural de um percurso, posto que o nome na cédula eleitoral foi circunstancialmente o de quem o convidava, não o seu. Sabia, porém, o quanto o outro lhe devia e que não fazia mais do que a obrigação ao compartilhar com ele o poder e ao esquentar o seu lugar.

Ele se oferecia como fiador moral e farol intelectual do governo, mas, em troca, a doutrina Moro sobre crimes de colarinho branco, combate à corrupção e funcionamento do Estado deveria dar o Norte à Nova Era que se abria com Bolsonaro e se concluiria com ele, o Juiz da Nação.

Como Aécio Neves, Sérgio Moro negocia mal com a realidade. A sua crise com “a vida como ela é” não foi tão histérica e com consequências trágicas como a de Aécio em 2015, mas em abril de 2020 não faltou o roteiro melodramático e o texto de bolero: falou-se de enganos e traições, de fidelidade não correspondida, de separação com o coração em pedaços. Mas era puro jogo de cena. Moro já havia entendida que aquela não era uma via plausível para a Presidência, que os Bolsonaros não estavam ali cheios de gratidão, coração na mão, para servir ao Eterno Juiz predestinado ao trono, mas aos próprios apetites e aos próprios planos de poder.

Alia há ego demais. Serviu a Bolsonaro, tirando Lula da jogada, mas não servia diretamente a ele, mas ao seu projeto do Novo Brasil Sem PT, de que ele desejava ardentemente ser o timoneiro. Moro não queria ser o profeta que aplainava as veredas do Senhor, ele considerava que por direito aplainava o próprio caminho, ainda que um guardador de lugar pudesse passar por ali enquanto as coisas seguiriam o seu curso natural. Não iria, portanto, servir novamente de escada para os Bolsonaros. Quisessem estes uma cavalgadura, procurassem o Guedes, que por aquele cargo faz qualquer coisa, ele não, Moro não é cavalgado, Moro é cavalgante.

É por isso que Moro agora volta ao Brasil para se reconciliar com o que acredita ser o seu destino. Tem a sua filiação ao partido que conseguiu, o Podemos – que outro ilustre paranaense, Álvaro Dias, se encarregou de se tornar o mais devoto lavajatista de todos -, na próxima quarta-feira (10/11). Esta semana já desembarcou em Brasília para pastorear o lavajatismo que ainda resta no Congresso e conseguir cobertura daquela parte da mídia que lhe teve adoração. Para informação geral, Moro deixou saber que ainda decidirá se haverá de disputar uma vaga certa para o Senado pelo Paraná ou o cargo que é seu de direito, a Presidência, mas é só para deixar uma porta aberta para o caso de a realidade política lhe disser não ao tão ambicionado posto.

Se no plano do destino e do merecimento autoconcedido Moro não tem dúvida, no plano da realidade a candidatura de Moro enfrenta problemas. Ninguém nunca precisou saber qual é a exata medida do lavajatismo em termos de apoio popular quando ele é depurado do bolsonarismo com que se amalgamou em 2018. Ambos deitam raízes no antipetismo, aquele ódio atávico e urgente ao PT que tomou o país recentemente, mas enquanto Moro é o antipetismo de elite, Bolsonaro é o antipetismo populista. O morismo tem grande penetração entre os formadores de opinião, nas redações inclusive, ainda tem um grande apelo nos ambientes do Direito e nas classes abastadas. Por isso serviu para cristianizar o bolsonarismo bruto nos meses em que Moro residiu no governo. Mas o populismo é que gera voto e o Bolsonaro move a base. O movimento bolsonarismo é numericamente maior que o lavajatismo e mantém-se vivo, apesar de tudo.

O fato é que não há espaço para Moro e Bolsonaro no campo da direita, ou será um ou outro a prosperar, e Bolsonaro se firmou primeiro. Houve um tempo em que a direita e a centro-direita superavam sobejamente a extrema-direita no Brasil, mas o impeachment e a Lava Jato se encarregaram de que isso não fosse mais verdade. A direita que tem voto e elege é a direita radical, que hoje tem nitidamente o DNA de Bolsonaro. Para ela, Moro já cumpriu o seu papel, não é mais necessário.

Antes que o STF expedisse para Moro um certificado de magistrado que corrompeu o sistema judicial para vencer a corrupção política, ainda havia esperanças de que Moro fosse o candidato das pessoas que acham que a política deve ser conduzida moralmente, em suma, da antipolítica. Mas acontece que, cumulativamente, Moro foi apanhado em delito político e grave violação judicial. O sujeito que, no auge da cruzada moral do morismo foi a sua presa e o seu troféu, Lula, é hoje o favorito das eleições, e o próprio Moro bate recordes de rejeição eleitoral comparáveis aos de Bolsonaro.

As possibilidades de que Moro venha a expandir para além do recorte do bolsonarismo são mínimas. E se ele tem a vantagem de ser o candidato dos ex-bolsonaristas, que são tantos, e dos que votaram 17 tapando o nariz em 2018, ainda mais, por outro lado nem se sabe se hoje é mais odiado pelos bolsonaristas ou pelos lulistas, os dois grupos que, segundo a última pesquisa (Ipespe), formam junto 70% das intenções de voto.

Assim, embora Moro considere o seu destino e o seu merecimento liderar esta nação, precisaria de um grande deslocamento de forças cósmicas para que o sublime lavajatismo tome do vulgar bolsonarismo a capacidade de colocar um candidato no segundo turno nas eleições de 2022. Moro que lute, pois o bolsonarismo não vai sair do caminho para ele passar.

Wilson Gomes é doutor em Filosofia, professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor de A democracia no mundo digital: história, problemas e temas (Edições Sesc SP). Twitter: @willgomes


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