Solidão é grande e me faz pequena

Solidão é grande e me faz pequena
(Foto: Rostyslav Savchyn/Unsplash)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


Quantas solidões cabem na palavra solidão? Em cada um há de evocar algo. Há mais de década moro sozinha e gostaria de pensar na solidão como uma companhia, mas não seria exato. Quem habita comigo são lembranças e, se não as prendo em um fio de palavras, nem isso.

O silêncio também mora aqui. É um cão velho e quente a meus pés. Dorme tanto. Sente dor, mas não choraminga. Ele escuta o passo lento da morte e não teme. Se digo uma palavra em voz alta, espanto-o. Sempre que preciso me mover, sinto falta de seu aconchego. Mas não é dele que quero falar.

Solidão é lugar e não companhia. É ilha que atravesso. Desconheço suas dimensões e a suspeito deserta. Cheguei há tanto tempo que não me lembro, mas nesta terra o tempo parece circular. Em seu centro, é vasto campo. Consigo, no entanto, a façanha de sentir-me oprimida mesmo a céu aberto.

Solidão é grande e me faz pequena, me afunda onde quer que me recoste e me sufoca, mesmo sem mãos, no ar mais fresco. Não há fuga, nem para onde correr. Vez por outra, volto à praia, imagino o além, espero e temo avistar barco errante que me tire daqui.

Às vezes até o alucino e, sem piscar, me escorre lágrima de saudade imaginada e antecipada. Se ninguém cá esteve, declaro meu o lugar, como jamais outro pôde ser. Sim, escrevo isso como reivindicação de posse. Agora suspeito que é preciso não querer sair da solidão. Fazer casa no ponto mais alto, de onde tudo o que contemplo é longe e tranquilamente triste.

Contar da solidão a aprofunda? Talvez cavando em seu íntimo encontre abrigo. O vento que aqui corre me sussurra que não há o que temer.

 

Joselene Monteiro, 30, mora em Fortaleza. Psicanalista, doutoranda em psicologia e apaixonada por literatura.

 

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