O bolsonarismo e o ódio ao filósofo

O bolsonarismo e o ódio ao filósofo
(Arte Revista CULT)

 

Por Moises dos Santos Viana

Quando um presidente da república começa a pregar contra professores, aí tem! Ele é incompetente! A sanha bolsonarista nas redes sociais contra as universidades e os professores é para esconder seus limites morais e intelectuais. Em vez de buscar resolver problemas sócio-econômico-estruturais, o presidente do brasil cria um inimigo oculto e difuso, o marxismo cultural. Esse é o retrato de uma crise que passamos, sem conhecermos a civilização. Veja como Paulo Freire é odiado, sendo um dos maiores pensadores brasileiros, o pesquisador do Brasil mais citado no exterior. É o ódio ao filósofo.

A ironia é que parece repetir um carma dos filósofos, pois de tempos em tempos, querem matar um pensador expressivo. Um ódio também reservado aos poetas, aos artistas e aos professores. Uma sina dramática que parece acometer quem tem essas funções no mundo. Mas vou me deter a falar dos filósofos.

Quem estuda filosofia, o estudante profissional, logo nos primeiros dias do curso começa a eleger seu filósofo predileto –Philo significa amor e Sophia sabedoria em grego (Φιλοσοφία); filosofia é o amor à sabedoria e o filósofo o amante da sabedoria. Primeiro os pré-socráticos sem filiação, em seguida passa pelos atomistas, sofistas e termina com a trindade ateniense: “Sócrates, Platão e Aristóteles”. Os estóicos e outros helenistas são maravilhosos. Quem não os ama? Os odeia. Seus fragmentos? Suas cartas? Pura amizade com o ser e o nada. Começamos a amar Sócrates, porque ele parece tão bacana, tão sofista e cínico, mas é platônico. Mas aí odiamos Sócrates de qualquer jeito, e o julgamos porque não é Sócrates. E porque é Platão, o odiamos mais ainda. Só temos que odiá-los mesmo.

Pulemos o medievo, principalmente os carolas do “credo quia absurdum“, – Creio porque é absurdo”. Frase atribuída a Tertuliano, teólogo e apologista cristão do século III. brilhantes carolas como Agostinho, Anselmo et cateva. Pulemos, mas não esqueçamos Abelardo e Heloisa. Parece uma relação de amor e ódio sem fim. As vidas dos filósofos é bem mais interessante que suas obras. São peculiares, são anedóticas, são pedagógicas. Viva o que eu digo, mas não viva o que eu faço. Aqui, quem podemos odiar: Agostinho ou Tomás de Aquino? Um pior que o outro.

Os ditos “modernos” escrevem muito, instrumentalizam tudo. Eles são matemáticos e odiáveis metódicos. Quase todo mundo tem uma lembrança desses proto-cientistas, suas navalhas, seus métodos, suas invenções de um época áurea que nunca chegou e que nunca existiu, “porque nunca fomos modernos” como destaca Latour. Odiados de uma época e pouco lidos, pouco entendidos, quem lera em latim para nos contar? Coisa para ser odiada mesmo é qualquer escrita em qualquer língua. Ainda mais quando exige lógica e matemática. Pior ainda. Que ódio!

Meu Deus! Aqueles filósofos que escrevem em aforismos, frasistas de efeito, aí sim podemos odiar. Mas se não for obsceno, pode-se gostar, até citar. Filósofo bom é moralista frasal. Se não for, deve ser odiado. Odiento! Tudo que não conheço ou difere de mim dever ser odiado ou excluído e marginalizado. Jogado no abismo do esquecimento, no crepúsculo de todos os ídolos, lá, além do bem e do mal.

Toda essa volta para falar de como o ódio a Paulo Freire se materializa como antes o ódio a Marx, a Judith Butler,aos movimentos e escritas da teologia da libertação, ao comunismo em geral e às teorias de gênero, e políticas de reparação em particular. É reedição mequetrefe do “Index Librorum Prohibitorum”- o Índice dos Livros Proibidos foi uma lista de publicações proibidas pela Igreja Católica. Tudo classificado como “ideologias” a serem combatidas. O ódio aos filósofos é o ódio à educação, às minorias, às sabedorias populares dos povos indígenas e negros com sua filosofia libertadora e corporal que aposta caminhos e diz-se outra luz sobre as trevas do obscurantismo. No fim, é a classe média e seu alter ego se manifestando em um mal-estar civilizatório.

O ódio ao filósofo é ódio à educação, às artes, às ciências e ao intelecto. É ódio feio, cafona e ignorante. É o retrato estético do bolsonarismo com palavras, ações performativas de ridículos políticos, rasos na forma e no conteúdo que apoiaram o golpe contra Dilma Rousseff vilipendiam os poderes da república. Eles são os arautos do atraso, da ignorância e do fascismo. Muitos dirão que são ignorantes, o são sim, mas antes são agentes do mal em sua banalidade, com seu complexo de vira-latas, fadados às pantomimas midiáticas de redes sociais. Pior que eles, só quem votou neles e os apoiam.

Na filosofia freiriana há coisas odiosas para a “catrupia” bolsonarista: libertação, humanismo e crítica. Coisas muito profundas de vida inteiras que se desdobram em subjetividades. Odeiam Paulo Freire porque não o entende completamente, mas o pouco que sabem dele desperta o ódio maior, pois há potência na filosofia. Potência da emancipação.

Moises dos Santos Viana é docente da Universidade do Estado da Bahia  (UNEB), pesquisa as experiências da comunicação no Território do Sisal, na Bahia

 

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