Liberdade de expressão e igualdade de oportunidade de fala no debate público

Liberdade de expressão e igualdade de oportunidade de fala no debate público
Refugiada venezuelana regulariza seus documentos na Polícia Federal; refugiados são uma das comunidades que sofre sem oportunidades de fala no debate público (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados pelos leitores são publicados de acordo com um tema. O de janeiro de 2020 é “liberdade de expressão”.


Por Arthur Lodi

No campo do Direito, o tema da liberdade de expressão sempre instiga debates acerca do âmbito de alcance e proteção conferido pela Constituição Federal. Essa discussão sobre a geralmente gira em torno dos limites – e se, de fato, há limites para a manifestação do pensamento. Porém, muitas vezes, ela acaba por ofuscar outro ponto tão relevante quanto: sabendo que há pessoas e grupos majoritariamente excluídos do debate público, por conta de suas condições sociais e econômicas, como proporcionar igualdade de oportunidade de fala no espaço público?

Em “On Liberty“, John Stuart Mill faz uma defesa enfática da livre manifestação, baseando-se, entre outros argumentos, (1) na busca da verdade e (2) na defesa do livre mercado de ideias. Dito de outra forma, o filósofo britânico acreditava que mesmo as opiniões claramente falsas não deveriam ser censuradas e que, devido à “livre competição”, as melhores ideias iriam prevalecer. Ele pensava que uma elite liberal “bem esclarecida” surgiria e que ela seria capaz de levar o debate público a uma lógica argumentativa mais racional e mais equilibrada. Cento e sessenta anos depois da publicação de “On Liberty“, não é preciso raciocinar muito para concluir que as pretensões millianas não se concretizaram.

As teorias liberais (no plural mesmo, porque, dentro dela, há diversas correntes) costumam dar especial ênfase à necessidade de preservação da esfera da autonomia individual. Por isso, creio ser correto pensar que todos os liberais valorizam muito mais a liberdade do que a igualdade. Mas creio ser incorreto pensar que todos os liberais valorizam liberdade em vez da igualdade. Essa distinção é importante.

Filio-me aos liberais quando estes defendem a maior liberdade possível para as pessoas expressem suas opiniões. No entanto, a maioria dos liberais (não todos!) fecha os olhos para o fato de a desigualdade (em sentido amplo) impossibilita que todas as pessoas ou grupos tenham acesso equitativo aos meios de fala.

Então, chego a duas conclusões: (1) atualmente, não há igualdade de oportunidade de fala no debate público; e (2) o livre mercado de ideias não é capaz de incluir todas as pessoas ou grupos de forma equitativa. A partir disso, a premissa que adoto é: atualmente, não há igualdade de oportunidade de fala no debate público PORQUE o livre mercado de ideias não é capaz de incluir todas as pessoas ou grupos de forma equitativa.

Diante desse problema, é necessário pensar em saídas. O que está em causa aqui não é estabelecer uma igualdade de fato, porque isto é humanamente impossível. O que está em causa aqui é encontrar maneiras de propiciar um acesso mais justo e equitativo aos meios de fala para os grupos majoritariamente excluídos.

No mundo ideal, o Estado teria total legitimidade para atuar com o intuito de possibilitar a ampliação – jamais a limitação – do debate público. Essa é uma ideia que o jurista contemporâneo Roberto Gargarella desenvolve bastante em suas obras, a partir de uma concepção deliberativa de democracia.

Isso porque concordo com a seguinte premissa: quanto mais as pessoas estiverem envolvidas no processo de tomada de decisão pública, mais legítima esta será. Mas, na prática, possibilitar isto é um problema, afinal, o mundo ideal a que nos referimos acima é… ideal. Por isso, também dou razão aos liberais quando dizem para não confiar no governo: afinal, como delegar aos políticos a tarefa de decidir em qual momento é oportuno ampliar o debate público, e em qual não é?

Como visto, a missão é árdua; e a solução concreta ainda está longe da minha cabeça. Proponho, porém, três ideias, as quais podem servir como ponto de partida para uma alternativa: (1) envolver, necessariamente, as instituições públicas; (2) estabelecer critérios objetivos para a atuação delas, definidos em lei; e (3) limitar esta atuação apenas para os casos em que vise a ampliar – jamais a restringir – o debate público. Isso quer dizer, então, que as pessoas devem ter total e irrestrita liberdade para se expressarem da maneira que entenderem? Bom, aí volta-se à questão inicial do texto: afinal, qual é o limite – há limite? – para essa liberdade? Essa pergunta não é fácil e necessitará de outro artigo para ser respondida.

Arthur Lodi é acadêmico de Direito em Passo Fundo (RS)

 

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