Estar só, sentir-se só…

Estar só, sentir-se só…
(Foto: Christian Lue/Unsplash)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


Noite de festa, luzes, música, enfeites, pessoas circulando cheias de animação. Ela escolhe aquele vestido que todos dizem deixá-la belíssima, o batom vermelho que ilumina sua expressão, tentando entrar no clima de alegria da reunião familiar que em nada condizia com seu estado emocional. Sentia um estranhamento, achava que devia estar feliz por encontrar-se naquele meio, mas não se sentia integrada ao momento e àquelas pessoas que estavam entre as que ela mais amava.

Em meio à algazarra familiar, sentindo um aperto no peito, permanece em silêncio, sem conseguir participar das conversas, em uma inquietação contida, quando então recebe uma mensagem e algo muda dentro de si. Em meio à multidão de pessoas que se encontravam ali reunidas, sentia-se solitária, desconectada e percebeu que o único lugar onde gostaria de estar era no aconchego dos braços daquele que acabara de lhe enviar a mensagem. Não havia percebido isso!

De repente as coisas se tornam mais claras ao decidir acessar aquela solidão, mesmo estando em um lugar querido, em que havia desejado estar. Quando recebe a mensagem e lê o relato que dizia “estou preparando o jantar, um prato especial, filé mignon com gorgonzola” etc., as palavras a fizeram sentir-se acompanhada, com uma sensação de acalento e por um momento a solidão desaparece. Imaginou a cena, sentiu o cheiro do prato, o sabor do queijo, a alegria de partilhar daquele momento, o calor do seu toque, a maciez do seu beijo… não estava mais sozinha!

“Oi, oi, está sonhando?” Palavras que lhe arrancam daquele devaneio e a lançam novamente à solidão. Mesmo sendo uma mulher que sempre apreciou a sua própria companhia, concluiu que há momentos em que deseja estar com um outro, com o outro, com aquele outro. Questionou: seria isso a solidão?

Refletiu que uma das palavras que mais lhe remete à solidão é empatia. A tentativa de se colocar no lugar do outro sempre chega a um ponto limite que faz impossível se colocar integralmente nesse lugar. A partir desse ponto limite, o espaço que vem depois é a solidão de cada um, que o outro não pode acessar, e para onde somente o próprio sujeito pode e deverá se direcionar.

Em meio à pandemia, em isolamento social, ela se apavora com o que pensou ser a solidão, mas então recorda-se dessa experiência passada e de sua capacidade de aliviar as coisas com seus sonhos, suas palavras, sua condição de suportar estar só.

Clarice Lispector ajudou dizendo que existem dois tipos de solidão, a verdadeira e a falsa. “Ambas as solidões procuram distinguir o indivíduo da multidão… A verdadeira solidão separa um homem de outros para que ele possa desenvolver o bem que está nele, e então cumprir seu verdadeiro destino e pôr-se a serviço de uma pessoa”.

Ela concluiu: essa “uma” pessoa deve ser eu mesma!

Conseguir estar só é o melhor da solidão. Sentir-se só pode ser aliviado com palavras, material para a construção de pontes que permitem estar com o outro e poder compartilhar a solidão, caso assim o deseje!

Palavras que partilham a solidão!

 

Carmem Oliveira, 39, psicanalista, leitora apaixonada, apreciadora de café e vinho.

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