Esperar: anzol no tempo

Esperar: anzol no tempo
(Foto: Alex Simpson/Unsplash)

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de julho de 2020 é “tempo”


Como me firmo, numa pandemia, no tempo? Esta tem sido uma pergunta nada fácil de responder, de articular presença, projeção e aguda incerteza. Onde estou? Onde poderei estar? Quem sou? Quem poderei ser?

Sempre que me deparo com perguntas difíceis, me lembro de Rilke, em Cartas a um jovem poeta, dizendo para “amar as próprias perguntas como quartos fechados ou livros escritos num idioma muito estrangeiro”. Atravesso os dias com agonia, buscando as palavras que me refaçam e me transformem.

Já isolada em casa fazia pouco mais de dois meses, escrevi uma carta a alguém que não nomeava, mas chamava de “meu bem”. Na carta, contava sobre a busca de vestígios pela escrita num caderno (de toda a sorte de pensamentos), que no final entregaria a uma pessoa, meu bem. De todo o texto, uma parte marcou:

“Não te escrevo todos os dias porque é importante não ter o que dizer. E quando tenho, corro. Vou criando vestígios assim”.

Oscilo entre saber o que dizer e saber o silêncio.

E vou me dando conta de que estou.

Recentemente, foi aniversário de uma amiga muito querida, para quem em dois de janeiro desse ano eu havia escrito uma carta que lhe falava do tempo e dos planos. O que dizer agora? Tentei pensar um sonho, como essa estratégia que o momento não fraturou. E numa parte, eu escrevo para ela:

“Sonhar é maleável e encontra espaço entre as fraturas. Sonhando a gente gesta desejos, projetos, encontros, risos. Sonhando a gente fabrica o tempo como um quadro onde contamos a nossa existência. (…) O momento nos desafia e é preciso encontrar essa vida vivida todos os dias e sentir, de algum modo, que estamos vivendo. Nos ajustando e vivendo. Nos afetando e vivendo. Nos transformando e vivendo. Permita que o tempo seja esse rio que encontra os seus sonhos”.

Mas se o sonho pode ser uma estratégia, também escrevo para alguém, a que não nomeio diretamente. Atravesso os dias com agonia, buscando as palavras que me refaçam e me transformem diante da responsabilidade pela realidade: os vestígios deste tempo, tão marcado pela ausência dos abraços, das despedidas, dos direitos. A pandemia traduz e expõe sem filtros as fraturas que sempre foram de nossa responsabilidade.

Quem pode sonhar sem interrupções?

Quem pode se perguntar onde estará e quem poderá ser, sem fraturas?

Quando digo sonho e me firmo no tempo, quando digo sonho e fabrico o tempo como um quadro onde conto a existência, eu entendo. Ou este sonho é coletivo, solidário e antirracista ou ele não é sonho.

 

Catarina Bussinger, 25, é formada em Direito. Mora em Niterói,
RJ, e busca com (e através) das palavras compreender estar no mundo

 

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