Entre a barbárie e a civilização: o que nos une?

Entre a barbárie e a civilização: o que nos une?
“Pela vida na Terra”, pôster Russo, autor desconhecido (Arte Revista CULT/Reprodução)

 

Com Rubens Casara

Vivemos atualmente um paradoxo histórico. As novas tecnologias produziram uma aceleração rumo ao passado. As mutações decisivas das relações políticas, dos processos econômicos e das trocas intersubjetivas miram em uma única direção: o abandono das conquistas civilizatórias. As novas tecnologias são usadas para isso enquanto prometem publicamente apenas facilitar a vida das pessoas. Mas de que pessoas elas realmente facilitam a vida quando vemos o número crescente de desempregados substituídos em todos os setores por robôs e máquinas? Caixas eletrônicos de bancos, de supermercados e farmácias são apenas o exemplo mais visível desse descarte de seres humanos por um sistema que visa o lucro e não o bem estar e a sobrevivência das pessoas.

O Estado explicitamente comprometido com os detentores do poder econômico, serve não ao povo, mas ao capital. Desaparecem os limites e laços sociais que permitiam uma convivência minimamente harmoniosa e o Estado que poderia fazer um papel de sustentação da sociedade humana segundo valores democráticos cancela o seu sentido. Valores como a verdade, a fraternidade e a esperança passaram a ser tratadas como mercadorias sem valor, enquanto a mentira, o egoísmo e o discurso de que não existem alternativas à sociedade passaram a ser naturalizadas, quando não tratadas como virtudes. Práticas inquisitoriais voltaram à moda enquanto governantes cada vez mais se revelam anti-iluministas e anti-democráticos. Vivemos sem memória e no atraso. Tempos pós-históricos que parecem pré-históricos.

As crises financeiras, a destruição do tecido industrial, o afastamento de direitos fundamentais, a demonização da política, as vitórias da extrema-direita em várias partes do mundo são apenas sintomas de uma nova normatividade que busca o lucro a todo custo e que lucra a partir da desgraça e da destruição.

Nada que possa servir de limites aos que buscam exercer poder ilimitado é permitido. Direitos sociais e econômicos dos cidadãos são atacados pelas oligarquias, enquanto palavras como “segurança” e “corrupção” são violentadas para servir de justificativa à retirada de direitos civis e políticos dessas mesmas pessoas.

Enquanto isso a “liberdade” defendida em meio a essa concepção neoliberal ultra-autoritária se limita àquela que se dirige aos lucros ilimitados de poucos e à divulgação da lógica da concorrência que aniquila a consciência de classe e coloca cada cidadão contra os demais.

Não há fórmula mágica para enfrentar essas regressões. Mas, quem quiser reagir a esse estado de coisas e reconstruir a sociedade tem que responder a uma indagação: há algo comum, algo que nos una, algo pelo qual valha a pena lutar quando tudo nos leva a crer que não há saída para a barbárie?

Leia a coluna de Marcia Tiburi toda quarta-feira no site da CULT

(4) Comentários

  1. O nosso País terá pelas próximas gerações grandes dificuldades para sair dessa situação. Para virar esse jogo deveremos continuar acreditando na sensibilização, na tomada de consciência sobre os valores citados, bem como retomar os caminhos que levam ao amor, à compaixão, exaltar valores existenciais e religiosos (o lado bom), por que não! Retomar a filosofia na vida do estudante. Por enquanto, acredito que devemos nos esforçar para (re) construir esses alicerces em nossa sociedade. Vamos divulgar a cultura por toda a parte. Valorizar e estar presentes nos movimentos do bairro, participar, resistir e ocupar os espaços. Apontar caminhos para os que estão perdidos, abrir bibliotecas, ensinar literatura, mostrar os caminhos do pensar, do imaginar, do refletir, do ser, do existir, para a “molecada”. Acreditar nessa virada. <3

  2. Professora. Gostaria de me referir assim pois, pra mim a acepção que essa palavra carrega é de tamanho respeito e admiração. Nesses últimos meses, tenho me deparado com situações nefastas concernente a questão do domínio sócio-econômico que as oligarquias têm sobre as minorias, além da forte influência no espectro da imprensa. Não se fala mais em parecer e sim em ser. Estamos vivendo uma era trevosa, cidadãos imbuídos de ódio, rancor e apatia, estão, mais do que nunca, confiantes para solidificar o que antes era somente um devaneio coletivo insensato.

    Acredito que a resposta que lhe trago para a questão acima seja vista como trivial e por isso, temos que levar em conta que os avanços desenfreados da tecnologia, em especial o âmbito midiático, bem como as redes sociais, arrastaram a população em massa pra ter essa crença comum de não procurar facilitar uma questão e sim problematizar.

    O mundo carece de amor, estamos escassos do sentimento de empatia. E ai é que surge a falha mais nítida do senso comum; duvidar, subestimar e ironizar a simplicidade de algo tão forte e atemporal, somente porque, e não os culpo, foi ensinado dessa maneira delgada e romantizada e assim disseminada durante todos esses anos. O amor vale a pena, o amor nos une e nos acolhe, o amor não é somente a saída para essa barbárie, mas também a entrada para o que é novo.

  3. Márcia e Rubens,

    Vocês, como sempre, muito certeiros! Arriscaria dizer que o que nos une é a consciência de que estamos caminhando rumo ao abismo. No entanto, uma parte sabe que vai cair, e outra busca um lugar confortável para apreciar a queda. Ps: essas partes são bem desiguais em número de pessoas.

  4. Inteligência Sábia é Contida, Analítica e jamais teme Interpretar. Ela não se revela aos quatro ventos. Valeu!!!

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