Evidências da eficácia de psicoterapias psicodinâmicas

Evidências da eficácia de psicoterapias psicodinâmicas
Ilustração de um cérebro a partir da frenologia, século 20 (Imagem: Reprodução)

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Seria surpreendente não observarmos que, desde meados de 2010, há um crescente número de publicações que confirmam que a psicanálise e as terapias de base psicanalíticas são eficazes para o tratamento de transtornos mentais. Para além da confirmação individual da clínica de psicanalistas, Jonathan Shedler demonstrou, há mais de uma década, a importância e a possibilidade de que mais analistas e pesquisadores começassem a ter seus resultados empiricamente fundamentados. O autor revelou ao mundo científico a existência de pesquisas com grande relevância no campo da saúde mental que verificavam a eficácia e a eficiência dos efeitos terapêuticos de psicoterapias psicodinâmicas.

De fato, diversos pesquisadores se somaram aos esforços de Shedler, inclusive realizando estudos randomizados controlados sobre a eficácia das terapias de base psicodinâmica. Esforços claros e suficientes para desmentir a falácia de que não existem pesquisas para avaliar e evidenciar tratamentos de base psicanalítica.

Ressaltarmos que essas pesquisas visam transmitir segurança e assertividade diante de um cenário tão falacioso. Dentre os diversos resultados das pesquisas, destacamos aquelas que revelam que psicoterapias de base psicanalítica alcançam efeitos que permanecem mesmo após o fim do tratamento. Este é um dado muito importante, visto que boa parte dos profissionais em saúde mental tem enfatizado que o tratamento neste campo deveria ser de longa duração. Outro aspecto importante é com relação às recidivas que inúmeros pacientes experimentam mesmo após a “alta”, quando são tratados por psicoterapeutas que apostam, apesar de evidências empíricas, que um tratamento breve geralmente é o suficiente para a maioria dos pacientes que procuram por profissionais no campo da saúde mental.

De 2017 até hoje, estudos incontornáveis foram publicados. Inclui-se, aí, a confirmação da eficácia empírica do tratamento psicanalítico para diversos transtornos mentais, citando estudos controlados aleatorizados (RCT, na sigla em inglês), bem como meta-análises que corroboram os achados desses estudos. Outro estudo, publicado no Canadian Journal of Psychiatry, aponta que não foram encontradas diferenças significativas entre os tratamentos psicanalíticos e cognitivos comportamentais a longo prazo para pacientes com depressão crônica. Os autores concluíram que, para estes casos, mais de 61% dos pacientes se beneficiam dos tratamentos quando se trata de um acompanhamento a longo prazo, a saber: cerca de três anos.

Outra pesquisa mais recente, publicada em 2020, afirma que a psicoterapia psicodinâmica deveria ser incluída na lista de terapias consideradas com evidências empíricas de eficácia e, ainda, que os pacientes que não tiveram resultados satisfatórios com outros tratamentos já tidos como “empiricamente comprovados” deveriam poder escolher o tratamento psicanalítico subsidiado pelo Medcare. Algo já presente num trabalho publicado em 2015 pelo Tavistock Research Centre, em que pacientes que não obtiveram melhoras sendo acompanhados principalmente por psicoterapia cognitivo comportamental e psicofármacos apresentaram melhoras significativas ao serem tratados com psicanálise. Entre os sinais de melhora, destaca-se que, após 18 meses, 44% destes pacientes já não podiam mais serem considerados depressivos, contra apenas 10% do grupo controle. Esse estudo concluiu também que as chances de um paciente se beneficiar do tratamento psicanalítico é 40% maior do que aqueles que recebiam o tratamento usual.

Esse breve apanhado de estudos é apenas ilustrativo, uma vez que sabemos que desde 1967 até 2022 existiam mais de 200 estudos randomizados controlados envolvendo a psicanálise, entre os quais mais de 120 artigos publicados apenas nos últimos 10 anos.

Diante de todos estes dados, um grupo de pesquisadores, em 2023, publicou em um jornal mundial de psiquiatria, uma das maiores referências na área da psiquiatria, uma pesquisa que buscou referendar a ideia de que existem evidências para que psicoterapias psicodinâmicas continuem sendo aplicadas em todo o mundo como um tratamento no campo da saúde mental. Segundo os autores, utilizando-se dos novos parâmetros para validar ou não um tratamento que procure ser reconhecido como empiricamente válido, as psicoterapias psicodinâmicas têm eficácia comprovada, são possíveis de serem mensurada e, especialmente nos dias atuais, são um tratamento com evidências de eficácia para uma série de transtornos mentais.

Com todas estas pesquisas é possível, então, estabelecer a validade de tratamentos psicodinâmicos – eventualmente apoiados em hipóteses psicanalíticas – no campo da saúde mental, mas isso não é tudo. Na verdade, esses parâmetros analisados atestam aquilo que outras práticas no campo da saúde mental já alcançam. Alguns tratamentos com maior índice de eficácia, outros menos, mas de alguma maneira as evidências existem para uma série de tratamentos disponíveis. O que estes dados não revelam é aquilo que escutamos da boca de cada paciente que passa por um percurso de análise.

Passar por um tratamento psicanalítico pode trazer como efeito a melhora de um quadro de depressão, pânico, ansiedade, TDAH etc. No entanto, estes não são os efeitos que os analistas esperam diretamente do tratamento ofertado. Que existam efeitos terapêuticos, isso já estava estabelecido desde Freud, quando afirmou que o tratamento anímico alcança efeitos sensíveis no corpo e na alma. Podem ocorrer efeitos terapêuticos positivos que podemos mensurar utilizando a mesma métrica que se utiliza para verificar a eficácia de outros tratamentos, como já discutimos neste breve texto. Chamamo-los, inclusive, de ganhos secundários. Isso porque a psicanálise se orienta para um outro ponto, o efeito analítico. Algo que efetivamente marca uma diferença entre psicanálise e psicoterapias de base psicodinâmica, sendo que a primeira se mostra, muitas vezes, refratária à possibilidade de definição de parâmetros de eficácia.

Marco Correa Leite é psicanalista e doutorando em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela Universidade Veiga de Almeida. É coordenador e docente da Pós-Graduação em Fundamentos da Psicanálise pelo Instituto ESPE/UniFil.

Renata Motta Vasconcellos é psicanalista e mestranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela Universidade Veiga de Almeida. É pós-graduada em Teoria Psicanalítica e Prática Clínico-Institucional pela mesma universidade e associada ao Corpo Freudiano Escola de Psicanálise – RJ.

Richard Harrison Oliveira Couto é doutor em Psicanálise pela Uerj e professor do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida.


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