É (im)possível ser feliz sozinho

É (im)possível ser feliz sozinho
Foto: Ankhesenamun/Unsplash

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


Somos sozinhos e somos produtos de nossos relacionamentos interpessoais. Então, seja considerando a solidão como uma experiência positiva ou negativa, este fenômeno faz parte dos relacionamentos interpessoais. Conhecer esta dinâmica é importante para compreender a distinção entre estar só e sentir-se só, porque a solidão pode acontecer tanto na companhia de pessoas quando na falta de relacionamentos. De modo geral, as limitações impostas em nossos relacionamentos causam grande sofrimento e esta experiência, denominamos como solidão (CACIOPPO; PATRICK, 2010).

A experiência atual compulsória do isolamento social pode ser solitária, não pela experiência em si, mas pela qualidade de nossas experiências de contato. A solidão expõe nossa unicidade, porém não significa necessariamente isolamento, de alguma maneira, sempre estamos em diálogo, seja com nossas esperanças, seja como nossos medos, com pessoas reais ou com anjos. Neste sentido, solidão é não conseguir se comunicar, não criar esta relação dialógica, não ter seu ponto de vista validado (JUNG, 1995).

A solidão é considerada uma experiência desagradável pela maioria das pessoas, quando é associada ao isolamento social, ausência seja de companheirismo, intimidade e/ou de parceiro. Mas estar sozinho também pode ser positivo, quando se deseja relaxar e dedicar-se a interesses pessoais. Aliás, é libertador não estar à mercê da expectativa do outro na convivência social, neste sentido, por mais que os relacionamentos interpessoais sejam considerados fundamentais para a vida, também é cansativo estar sempre agrupado. Este momento de aproximação de si pode tornar a solidão como uma experiência positiva, o que chamamos de solitude.

A capacidade de estar consigo mesmo – a solitude – é fundamental para a maturação emocional e a qualidade dos relacionamentos interpessoais, além da concretização do encontro. A solitude também facilitaria a integridade psíquica da pessoa que, ao se conhecer, desenvolveria sua autonomia e seria completa em si mesma, sendo alguém que não desmorona por causa da ausência do olhar do outro, ressalta Winnicott (1982). Por isso, apesar de uma representação social da solidão como negativa; Long e Averill (2003) argumentam que precisamos estar consigo mesmos para o desenvolvimento pessoal e social.

A separação entre solidão e solitude é tênue e talvez esteja ligada a como a sociedade valoriza o agrupamento, porem organiza-se de modo que não temos tempo para nos dedicar a nós mesmos ou às pessoas. Vivemos na superficialidade dos relacionamentos e com uma alta expectativa de que o outro participante da díade faça mais por nós. Portanto, uma abordagem processual do fenômeno considera que o ser humano é o produtor de sentidos do mundo, ao mesmo tempo em que é afetado, assim assumimos o ponto de vista de que a solidão é resultado da dialética entre a estrutura sociocultural e como a pessoa interioriza e expressa seus relacionamentos interpessoais. Ou seja, o fenômeno da solidão é influenciado pelas características individuais, as variáveis situacionais e os déficits nos laços sociais.

Sofrer de solidão faz parte da existência humana (DOLTO, 2001) e, como tal, mesmo na experiência de um sujeito, há toda a humanidade ali representada. Ao falarmos de solidão, estamos nos referindo a solidões, na verdade. Sempre estaremos acompanhados pela solidão. Em alguns momentos, sua presença se pronuncia de maneira mais contundente, sua visita pode ser rápida ou demorada, agradável ou angustiante, às vezes, pode ser uma escolha, em outras, o fenômeno se impõe. É uma perspectiva para a questão “antes só do que mal acompanhado”, mas o que fazer se “é impossível ser feliz sozinho”? Será?

Kirlla Cristhine Almeida Dornelas, 45 anos, mora em Vitória – ES. É psicóloga, mestre e doutora.

 

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