O primeiro debate presidencial de 2018

O primeiro debate presidencial de 2018
No debate presidencial da Band desta quinta (9) estiveram presentes oito dos 13 candidatos oficiais (Foto: Nelson Almeida/AFP)

 

E foi dada a largada

Enfim, tivemos o primeiro debate presidencial dessas eleições, que contou com oito candidatos e entrou madrugada adentro, entre cochilos e sobressaltos. Foi cansativo e longo demais, mas estava todo mundo curioso para ver os principais candidatos juntos na mesma vitrine e fora da sua zona de conforto, isto é, em uma situação em que o político não controla inteiramente o seu discurso, dizendo ou deixando de dizer conforme a sua conveniência, mas é interpelado e confrontado por quem tem interesse em mostrar suas fragilidades e contradições.

Nas semanas anteriores, já tínhamos acompanhado as sabatinas presidenciais, um formato em que conjuntos de jornalistas, mais ou menos afinados, disputam com os candidatos o controle dos assuntos e das questões. Nos debates, mantêm-se a dinâmica da interação jornalista-candidato, com os candidatos tendo que lidar com a pressão e os constrangimentos produzidos pelos jornalistas. Mas se acresce a isto um segundo nível de pressão, desta vez gerada pelos concorrentes direitos no pleito.

O pressuposto aqui, desde que a televisão americana inventou este modelo nos anos 1960, é que uma situação em que o candidato é forçado a se expor e se explicar, diante de um público remoto de milhões de espectadores e ante uma audiência profissional que lhe faz perguntas, demandas e solicita explicações sem cessar, o eleitor pode, enfim, descobrir quem o candidato realmente é, o que ele realmente pensa, como lida com a pressão da política, do jornalismo e do público e como resolve as suas contradições e incongruências. O lema é ou deveria ser: sob pressão, a verdade.

Estiveram presentes oito dos 13 candidatos oficiais. A ausência mais notável, naturalmente, foi a do candidato do PT – que com isso pagou a primeira conta resultante da sua estratégia de insistir na candidatura de Lula. Oito candidatos é muita gente para se prestar atenção, ainda mais que, como se esperava, havia personagens novos nesta temporada da novela eleitoral. Algumas das novidades são atores políticos conhecidos, como Álvaro Dias (Podemos) e Henrique Meirelles MDB), mas estreantes nos papéis de candidato à presidência; Bolsonaro (PSL), por sua, vez já tem atuação reconhecida no papel de presidenciável, mas estreou no formato do debate televisivo; outros, enfim, como Guilherme Boulos (PSOL) e o Cabo Daciolo (Patriota) são novidades absolutas. Como sabe qualquer fã de minissérie, é muito personagem novo para se conhecer no primeiro episódio da nova temporada.

Quem ganhou?

A pergunta mais inútil (e inevitável) que se pode fazer depois de um debate televisivo é “quem ganhou”? Ganhou o quê? Ganhar pode significar várias e mui diferentes coisas. A pergunta é sobre quem se saiu melhor nas tretas em que se envolveu ou ganhou mais disputas verbais quando atacou interlocutores? Ou é quem se portou mais “presidencialmente”, como dizem os americanos? Quer-se saber quem conseguiu convencer eleitores indecisos ou roubar eleitores dos outros candidatos com o seu desempenho ou confirmou a fé do seu eleitorado de que é, de fato, o único que pode representá-lo? E por fim, como confiar nos julgamentos pós-debates, uma vez que em uma situação de competição sobram torcedores e faltam avaliadores realmente independentes?

Assim, é possível que no debate tenha havido vários vencedores, a depender da meta e da métrica escolhida. Como ninguém desmaiou em cena, ninguém foi massacrado pelos adversários e ninguém perdeu realmente a compostura, ninguém tampouco pode ser realmente declarado o perdedor. E, para não perder a oportunidade de meter a metáfora futebolística na narrativa, digamos que todo mundo jogou na defensiva e testou as defesas dos adversários. Por isso mesmo a impressão dominante foi de um debate sem novidades, sem emoção, sem reviravoltas. Está muito cedo para isso.

Direita, volver

Mas alguns elementos saltaram à vista já neste momento. O principal deles, em minha opinião, foi o balanço da distribuição ideológica dos candidatos. Os candidatos mais competitivos nesta eleição vão do centro à direita, diferentemente dos ciclos eleitorais anteriores em que o peso da centro-esquerda foi sempre superior.  Este ano, temos duas candidaturas competitivas no centro: Ciro Gomes (PDT) está na centro-esquerda, Marina Silva (Rede) no centro e mais à direita do que na eleição anterior. Geraldo Alckmin (PSDB) definitivamente se decidiu pela direita clássica e Jair Bolsonaro é, pela primeira, um candidato competitivo de extrema-direita. A inclinação mais à direita significa basicamente que o centro gravitacional da oferta de políticas públicas se desloca: saem do centro o Estado de bem-estar social e programas de transferência de renda e amparo social e entram o Estado mínimo, controle do gasto público, ajuste fiscal e as reformas que dão conta disso.

À medida que a inclinação da oferta presidencial é mais à direita, também se torna mais conservadora. E, novamente, o ponto de corte, do ponto de vista dos candidatos mais competitivos vai da posição moderada de Ciro Gomes e termina na posição ultraconservadora de Bolsonaro. Saem as pautas progressistas de avanço dos direitos dos homossexuais, do combate ao racismo e machismo, do respeito às minorias, assim como desaparecem as pautas feministas em geral. O que eram pautas sensíveis (como o aborto) se tornam temas-bombas, que ou os candidatos as evitam, como Marina Silva, ou para os quais se adotam soluções conservadoras, como no caso de Bolsonaro.

Além disso, mesmo os candidatos menos competitivos são mais numerosos à direita. Henrique Meirelles (MDB), Álvaro Dias (Podemos) e o surpreendente Cabo Daciolo (Patriotas) navegam naquelas águas e puxaram o debate naquela direção. À esquerda, um solitário Guilherme Boulos (PSOL) alternava entre comentários e tiradas inteligentes e o seguimento estrito, um a um, dos temas e bordões clássicos da esquerda marxista popular. A ausência de uma candidatura do PT ou apoiada por Lula foi importante para que a oferta eleitoral inclinasse à direita e para o lado conservador. Caso contrário, teríamos tido uma outra candidatura importante compensando a tendência conservadora ou as pautas mais à direita. E Ciro Gomes poderia não ter sido tão facilmente isolado pelos outros participantes do debate, na ausência de uma outra voz que puxasse os temas para um outro ângulo.

Duas vezes Bolsonaro

Por outro lado, do ponto de vista do público, se esperava que o debate presidencial fornecesse uma verdadeira arena para se verificar o desempenho de cada candidato à luz das expectativas que cada grupo trazia consigo. Tomemos, por exemplo, já que não há espaço para se falar sobre tudo, o caso de Bolsonaro, a grande novidade do ciclo eleitoral de 2018. Havia uma inegável expectativa sobre qual seria o desempenho do capitão: seria mesmo verdade, como muitos esperavam, que ele “não aguentaria dez minutos de debate eleitoral” tal a sua falta de substância e conhecimento? Ou mais uma vez, como esperavam os bolsonaristas, “o mito” iria “lacrar”, “mitar”, “humilhar” os seus adversários, principalmente os de esquerda, com suas tiradas de efeito, as suas declarações chocantes ou a sua peculiar exibição de viril agressividade?

O que se viu, afinal? Quem esperava um Bolsonaro confiante, superior e lacrador, como na sabatina do Roda Viva, o encontrou raramente neste debate. Aparentemente, Bolsonaro rende mais quando está sozinho no centro do palco e revela a sua impressionante capacidade de verbalizar de maneira simples e peculiar as narrativas que o brasileiro comum adota no seu entendimento dos problemas sociais e das soluções necessárias para eles.  E rende muito mais ainda quando é atacado por conta de suas pautas morais e de suas posições extravagantes e francamente antidemocráticas, pois é aí que ele pode viver o personagem de que mais gosta e que ele representa de forma mais convincente: o defensor do cidadão cujos valores, estilos de vida e negócios estão (ou são percebidos como) sitiados pelas agendas morais liberais e pelas pautas de esquerda. Não se trata, naturalmente, de um defensor acossado, pedindo desculpas por ser tosco e bruto; em vez disso, um campeão AAA, isto é, agressivo, autoritário e autêntico.

Na vitrine superpovoada do debate na Band, lotado com oito candidatos e meia dúzia de jornalistas, grande parte do reacionarismo jactante de Bolsonaro se esvaiu. Ele foi acossado pelos adversários e pelos limites de tempo, os longos casos com que habitualmente ilustra os pontos de vista que sustenta não couberam nos poucos segundos de que dispõe, o raciocínio se tornou lento, entrecortado. O mito chegou ao extremo de desistir de falar algumas vezes. E, para completar, teve que dividir o papel de lacrador com o Cabo Daciolo que, para surpresa geral, resolveu encarnar o papel de segundo Bolsonaro. Ainda mais tosco e cru. A mensagem de Daciolo foi que Bolsonaro é basicamente um personagem que qualquer outro ator com o físico apropriado para o papel pode representar. No debate da Band, então, não tivemos um, mas dois Bolsonaros, ambos reivindicando serem os únicos diferentes de “tudo isso que está aí”, ambos autodeclarados guerreiros combatentes dos mesmos seres imaginários (a conspiração comunista internacional), ambos com o mesmo diagnóstico para todos os problemas brasileiros (corrupção política & esquerda) e, enfim, ambos com o mesmo remédio para todo e qualquer problema social e político:  bala, autoridade e Bíblia.


> Acompanhe a coluna de Wilson Gomes, todas as sextas, no site da CULT

(1) Comentário

  1. Excelente análise, prof. Wilson. A pergunta que não quer calar, até quando o PT vai insistir em lutar contra uma estratégia que já decretou que Lula não poderá ser candidato, perdendo tempo precioso dentro de uma campanha muito curta?

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