Crônicas do mal de amor ou trilogia do abandono — a gênese de Elena Ferrante

Crônicas do mal de amor ou trilogia do abandono — a gênese de Elena Ferrante
(Ilustração: Fernando Saraiva)
  Assim como no português, em italiano há uma diferença entre o verbo abbandonare e seu correspondente no modo reflexivo, abbandonarsi, usando-se o segundo também no sentido de entrega. É por essa lente que eu gostaria de abordar os três primeiros romances de Elena Ferrante. As histórias de Delia, Olga e Leda, em alguma medida, tangenciam os conflitos entre mãe e filha. Um amor incômodo (1992), primeiro romance publicado por Ferrante, chega ao Brasil em 2017, pela editora Intrínseca, com tradução de Marcello Lino. Num primeiro momento, soa como uma narrativa de suspense. Há a ilusão de que o mistério a ser desvendado será o da morte de Amalia, mãe da narradora, Delia, que morreu em circunstâncias obscuras, afogada numa praia próxima ao local onde a família passava as férias de verão nos seus anos de infância. A narradora é uma artista dos quadrinhos que vive em Bolonha, mantendo certa distância da família napolitana. Adentramos no enredo a partir da sua perspectiva, com saltos temporais que misturam o presente às lembranças fragmentadas, assim como às tentativas de reconstrução dos fatos que antecedem a morte da mãe: ora achamos que o romance nos levará a descobrir o que houve com Amalia, ora entendemos que é outro tipo de revelação e elaboração que se apresenta. Já no texto de estreia, Ferrante mostra sua maestria em compor a memória como uma paisagem: cheia de acidentes geográficos, quedas, elevações e descontinuidades. Conforme avançamos na leitura, os fios soltos das tramas começam a integrar-se de forma mais

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