Carta aberta aos perfeccionistas

Carta aberta aos perfeccionistas

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de dezembro de 2021 é “angústia”


Lembro-me de uma cena do filme Harry Potter e a ordem da fênix, em que Harry, o protagonista, conversava com seu padrinho, Sirius Black. Harry dizia a Sirius que ele estava com medo de estar se tornando tão mal quanto seu rival, Voldemort. É então que seu padrinho lhe fala algo que, pessoalmente, me impactou. Ele diz: “Harry, todos nós temos sombra e luz dentro de nós”, constatando um fato que eu não me apercebera antes: não somos bons o tempo todo. Sim, temos sentimentos negativos para com o próximo.

Nós também machucamos, também decepcionamos, também magoamos outras pessoas. Não somos apenas nós os feridos. Nós também ferimos! Para uns, somos boas pessoas; para outros, nem tanto. E é compreensível (ou seria melhor dizer justificável?). Primeiro (1), porque cada um tem a sua opinião, sua vivência, seus pré-conceitos, seus preconceitos ou suas concepções de vida. Algo que você acha que certo, para o outro pode não ser. Segundo(2), porque há aquela questão do tal “meu santo não bateu com o dele(a)”. Sim, também carregamos alguma carga de antipatia para com algumas pessoas (vivências de outras encarnações talvez?!). E terceiro e principalmente (3), porque somos humanos e, por consequência, somos falhos. Ser um humano é sinônimo de errar. E isso não é uma coisa ruim. É errando que se aprende, afinal, é por isso que estamos aqui, nesta (escola da) vida – para os espíritas, o mundo de provas e expiações. Ninguém vive sem errar. Se você não errasse, não estaria aqui.

Pessoalmente, eu erro o tempo todo. Não sou santo nem sou perfeito. Sim, já magoei e decepcionei (para minha vergonha) várias pessoas. Pessoas que gosto muito e para as quais tenho grande admiração. Assim como fui ferido, também feri. Nem sempre pela premissa do troco, do “olho por olho, dente por dente”, mas por ignorância, desconhecimento, imaturidade… enfim, tantos são os motivos. Lembro que na adolescência, já apoiei a ditadura militar, por exemplo – algo que, hoje, repudio veementemente. Já proferi palavras como “viado”, “bicha” ou “sapatão” e até já falei coisas do tipo “lugar de mulher é pilotando fogão”. Fui escroto, eu sei… Tenho de fazer aqui minha mea culpa. Não tenho nenhum sentimento de orgulho em revelar isso. Pelo contrário! Sinto vergonha, mas faz parte da minha história. Me tornou quem sou hoje. Faz parte do processo de desconstrução assumirmos nossos erros.

Já tive (e acho que ainda tenho, em algum grau, por menor que seja) atitudes preconceituosas, racistas, homofóbicas, xenofóbicas e machistas, mas luto para me modificar. O que me define não são meus erros, mas a vontade de acertar (ou de, ao menos, querer consertá-los). A vida nem sempre é “preto no branco”. Ela também pode ser verde com amarelo, laranja com azul ou marrom com bolinhas brancas. Aliás, já perceberam que o “errado” nem sempre é errado… rs. Explico: um pai que furta comida para saciar a própria fome ou a de seus filhos. Que roubar é errado, todos sabemos. Mas é errado matar a fome? Devíamos deixar esta pessoa, este ser humano, um semelhante, morrer de fome? Para mim, particularmente, a resposta é um grande e sonoro “NUNCA”! E num caso do médico que tem de optar por salvar a vida de uma criança ou de uma pessoa idosa. Ambos não têm o direito de viver? Por qual vida optar? Complicado…

A vida não é tão simples, percebem? Ela é complexa, assim como o próprio ser humano e suas relações interpessoais.

A dificuldade em mudar também reside no desconhecimento sobre nós mesmos e sobre a realidade do outro. À partir do momento em que comecei a tomar mais consciência sobre mim, sobre minha identidade, minha personalidade, a dar valor às minhas raízes, etc. e passei a ler, assistir documentários, filmes e seriados e ouvir depoimentos sobre determinados assuntos, comecei a entender que precisava repensar/rever (muitas de) minhas atitudes.

Hoje, estou num processo de desconstrução. Se não sei sobre algo, me valho da internet ou dos livros, revistas, jornais e vou pesquisar, vou me informar (em fontes confiáveis, e não em sites sensacionalistas, “taokey”?). Errado é ser inflexível, é ser cabeça dura, é rechaçar tudo que é novo ou desconhecido ao pretexto de “eu sou assim e nunca vou mudar”. O “nunca” engessa, restringe, limita, afasta, exclui, segrega, machuca, mata.

Encerro aqui dizendo o seguinte: errar é humano, mas se perdoar também faz parte do processo de reconstrução. Você não tinha os conhecimentos ou as habilidades emocionais que tem hoje. Como dizem os americanos: “shit happens“. Às vezes, estamos num mau dia ou num momento difícil. Então, se perdoe e recomece com humildade e vigilância. Afinal, cometer erros é normal, mas persistir com os mesmos é… digamos, só não faça de novo, beleza, meu consagrado(a)? Não tropece nas mesmas pedras. Mude!

Coragem, humildade, resiliência e paciência, irmão(ã)! Perdoe e saiba pedir perdão, se não pessoalmente, pode ser, por carta, e-mail ou até em oração…. e não é que rimou?!

 Guilherme Dias Trindade, 36, é advogado,
esquerdista e mora em Santos, SP.

 

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