Bela menina

Bela menina

 

Lugar de Fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de novembro de 2021 é “a arte e a educação como meios para combater o racismo”


A menina decidiu escrever um poema sobre sua cor. Aluna do 5º ano do ensino fundamental em uma escola pública de um município de porte médio do estado do Rio de Janeiro, Violeta estrearia na arte da escrita.

Como a maioria dos adolescentes negros no Brasil, sofria preconceitos. Muitos deles velados. Outros tão explícitos que a chocavam. Havia momentos em que desejava ardentemente ser branca.

A princípio, achou difícil arquitetar versos e estrofes. Achava que era um dom para poucos, até entender que, se colocasse o coração no trabalho, tudo fluiria. Poesia exige envolvimento e reflexão. Descobriu que o poema não é somente o produto final, mas também o caminhar e o pensar. O remodelar as palavras. Compreendeu que os racistas não devem ser isolados. Chamá-los para perto não é fator de risco. É a oportunidade de transformá-los. A arte é abolicionista. Liberta o espectador. O que voa da mente para o objeto artístico ecoa de uma maneira diferente. Torna-se um vaivém constante de trocas. Instrui. Aos preconceituosos, dê-lhes arte e educação. Faça-os beliscarem metáforas. Aplique-lhes uma injeção de cores e texturas. Abram seus olhos para o novo, o sutil, o belo. A arte educa, e a educação, ao mesmo tempo em que é libertadora, impõe limites.

A experiência a fez enxergar encantos em si mesma. Ensinou-a a olhar-se no espelho e a cortar as amarras do preconceito. Ao incorporar toda a sua beleza, transpareceu-a no poema, o qual dedicou à menina Violeta. E o recitou para todos da escola que quisessem ouvir:

Bela Menina

A menina negra
De pele de chocolate
Olhos de jabuticaba
Inspira histórias de resistência

A menina negra
De cabelos crespos
Sorriso de neve
Insufla sonhos de liberdade

A menina negra
De nariz arredondado
Cor de África
Incorpora a consciência de sua beleza.

 

Déa Araujo, 60, é graduanda em Letras pela Universidade Federal
de Juiz de Fora. Escreve contos, crônicas e poemas. Começou a
divulgar seu trabalho durante a pandemia e tem textos publicados
em sites, revistas, antologias e materiais didáticos.

 

Deixe o seu comentário

TV Cult