Aula como experiência revolucionária

Aula como experiência revolucionária
(Arte Revista CULT)

 

Professores constituem uma classe social, não apenas profissional. Professores são trabalhadores como quaisquer outros e cada vez mais oprimidos. O rebaixamento histórico dos salários dessa classe é parte fundamental de um projeto que busca a aniquilação da educação por meio de sua desvalorização. O desvalor econômico vem a ser o corolário de um desvalor conferido pelo sistema capitalista à atividade de formar e educar.

Hoje vivemos uma nova e delirante forma de humilhação por meio de projetos de leis que tentam intervir na soberania daqueles que trabalham com o conhecimento. Promove-se o silenciamento dos agentes da educação por temer sua capacidade crítica e emancipatória. O pregão do obscurantismo está em toda parte, começa e termina no desrespeito aos professores. Para esse sistema o estudante nem sequer conta.

Pela natureza de sua profissão, professores agem contra a mistificação e o dogmatismo como sujeitos do conhecimento que são. Não há, portanto, profissão mais perigosa ao projeto de imbecilização do mundo que é parte essencial do programa neoliberal atual.

O esvaziamento da profissão é consequência inevitável da desvalorização do trabalho educacional. Qualquer trabalho só faz sentido se permite a um cidadão sobreviver. Do contrário é a escravidão à qual só se pode submeter alguém à força ou vencendo pelo cansaço. O trabalho, sobretudo no Brasil atual em que os direitos foram eliminados, não perdeu entre nós seu vínculo com a escravização. No caso da profissão idealista que é a dos educadores, vive-se um limiar. Permanecem nesse trabalho os apaixonados, os idealistas e todos aqueles que sabem que o conhecimento é o maior dos prazeres que se pode ter na vida. Que, além disso, o conhecimento liberta da estupidez, do dogmatismo, da dependência consumista.

Há profissões que exigem menos estudo, menos investimento de tempo e dinheiro. O trabalho com a educação é uma produção complexa tanto do objeto da educação, o conhecimento, quanto do agente humano, o professor que deverá preparar-se física e mentalmente para sua tarefa. A dedicação é de corpo e alma. Portanto, cabe ainda perguntar por que, em sendo um trabalho tão importante, é tão desvalorizado?

O tipo de trabalho que professores realizam interessa ao poder e à dominação em um nível extremo. Professores formam pessoas, conduzem mentalidades, orientam perspectivas de vida. Há muito tempo os professores vêm sendo tratados como objetos de um sistema que os utiliza como meios para alcançar objetivos econômicos, políticos e ideológicos. Todo professor crítico se torna um perigo, seja porque desobedece a ordem, seja porque ajuda a criar pessoas críticas capazes de se contraporem a ela. Os desobedientes atrapalham. Não há ordem sem obediência. Daí a necessidade de formar indivíduos servis que apenas uma educação pela metade, desmantelada, humilhada e aniquilada poderá sustentar.

Nesse momento uma meditação sobre a simples sala de aula pode nos levar a pensar em questões que podem estar sendo negligenciadas. A sala de aula tornou-se insuportável para muita gente. Contudo, insuportável para quem? Em que sentido? Na sala de aula chegam todos os problemas que enfrentamos nos mais diversos espaços sociais. Na insuportabilidade da sala de aula vemos o caráter insuportável da vida pela qual muitos cansaram de trabalhar.

A chamada “educação à distância” não pode ser a solução final contra a aula presencial. Às condições digitais da vida não se podem dar soluções digitais. O que entendemos por aula não pode ser tratado apenas como um estado disciplinar no sentido de servidão a uma instituição. A aula pode acontecer fora da sala e até mesmo fora da escola. Ela é um estado de encontro em que os sujeitos se colocam como seres em diálogo, corpos em presença e apresentam seus saberes e experiências. Por isso, à ideia da sala de aula como espaço obsoleto, gostaria de contrapor a ideia de um laboratório revolucionário. Se ele terá paredes e teto é um problema a ser pensado debatido dialogicamente.

(6) Comentários

  1. É maravilhoso, neste Dia do Professor, podermos ler um texto tão desassombrado, contundente e provocativo. E que explicite tão bem a relação cada vez mais viva, no Brasil, entre projetos políticos obscurantistas e práticas cada vez mais acintosas de desvalorização, constrangimento e humilhação dos professores. Valeria a pena, no entanto, num outro momento, vermos um aprofundamento da discussão sobre o modo como a educação a distância no Brasil se insere nesse quadro, considerando seu crescimento avassalador nos últimos 20 anos e sua clara vocação pra se tornar hegemônica. Tenho bons motivos pra acreditar que é nos maiores embates a respeito do modo como essa modalidade está sendo estruturada e no sentido que tem sido dado a ela que está se definindo, entre nós, as chances de potencializarmos ao máximo nossas ações mais transformadoras – ou, ao contrário, terminarmos sufocados e vencidos de vez.

  2. Parabéns à revista por valorizar sempre a educação . Parabéns, Marcia Tiburi pelo olhar crítico e esclarecedor.

  3. Parabéns aos nossos grandes idealistas e verdadeiros guerreiros que são nossos mestres. Um país sem educação é um país órfão de tudo. Hoje estamos órfãos.

  4. Parabens de novo, só não entendo porque vc , pedagogia das virtudes não estão no Ministerio da Educação ou Mec..
    Obrigado por existir Marcia Tiburi

  5. A educação vem sendo humilhada a partir do golpe de 2016. Um sistema que já era precário. Por isso o Prof. antes de tudo merece todo respeito.

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