As margens de Ferrante

Edição do mês
As margens de Ferrante
(Ilustração: Fernando Saraiva)
  Elena Ferrante aparece de novo. Aparece como sempre apareceu, na forma de palavras, de narradoras, personagens e mundos feitos por elas, e aparece mais uma vez magistralmente, agora em As margens e o ditado: sobre os prazeres de ler e escrever (Intrínseca, 2023), coletânea de ensaios publicada na Itália em 2021 e agora no Brasil, com tradução de Marcello Lino. Os primeiros três ensaios são conferências que Ferrante escreveu para serem encenadas pela atriz Manuela Mandracchia nas Umberto Eco Lectures (conferência anual organizada na Universidade de Bolonha), respeitando o ocultamento da pessoa por trás do pseudônimo. Em “A caneta e a pena”, ela lança a ideia na qual se apoiará também nos dois textos subsequentes: a de que as duas modalidades de escrita que melhor conhece são a aquiescente e a impetuosa. Os leitores de A amiga genial (Biblioteca Azul, 2015) não tardarão a associar tais tipos de escrita às duas protagonistas da série de romances, Lila e Lenu – a primeira, intangível, errática, selvagem, sempre prestes a desafiar as expectativas e a ordem, e a segunda, esforçada e contida. Ferrante volta ao esforço manual da caligrafia, ao fazer caber dentro das margens propostas pelo caderno, para ilustrar a oposição entre essas modalidades – acomodar e extravasar, obedecer e transgredir, dualidade que leva “à satisfação de ficar plenamente dentro das margens e, ao mesmo tempo, à impressão de uma perda, de um desperdício, por ter conseguido”. Seria justamente o transbordar – ou a desmarginação, neologismo crucial que

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