A solidão nossa de cada dia

A solidão nossa de cada dia
(Foto: Sarah Kothe/Unsplash)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de agosto de 2020 é “solidão”.


A quarentena tem sido pródiga em diversos aspectos de nossa vida. Digo isso porque nesse período de afazeres remotos e de incertezas, temos experimentado gamas de emoções. Momentos felizes são atravessados por outros de total desânimo. Tanta inconstância faz a gente voltar-se a si. O sentimento de solidão, nesses momentos, não se furta a aparecer. Tenho amigos que me ligam para dizer que estão solitários, mesmo aqueles que estão isolados em família. Muitos, mergulhados em si ou nas telas dos celulares, perdem-se. Esquecem-se dos arredores. Aqui em casa mesmo, às vezes, cada um está no seu canto a desfrutar de sua solidão.

O que mais vejo por aí é gente usando as redes sociais para fazer psicanálise. Uma amiga, que mora sozinha, postou no perfil dela: “o solitário de verdade vive a agonia de ter que estar neste planeta”. Imediatamente, após a postagem dela, houve uma proliferação de mensagens de cunho motivacionais. Surgiram amigos preocupados de todos os lados para lhe ofertar palavras de consolo. Se a quarentena nos deixa mais solitários, também nos faz mais solidários! “Ninguém larga a mão de ninguém” é a máxima mais usada nos afagos virtuais.

Um vizinho, que se diz claustrofóbico por natureza, contou-me de relance, outro dia, que se sente sufocado, primeiro pela máscara necessária para ter segurança e da qual não se pode abrir mão. Segundo, porque a vida, sob a ameaça da pandemia, segue exilada. Confesso que já me senti assim. Enclausurado. É como se nos faltasse o ar. Dá uma vontade de sair correndo, para buscar por algo que talvez já não exista mais.

Vigora uma carência pelo que nos era habitual. As pessoas esperam pelo normal, o novo normal, que talvez não seja tão normal assim ou nem mesmo novo. Essa impressão de incerteza, que às vezes se confunde com a certeza de que tudo poderá ser pior, é que nos afoga num mar de sentimentos e depois nos faz emergir nessa sensação de solidão.

Existem maneiras e maneiras de ser solitário. Há a solidão que apavora, consequência do abandono. Mas há aquela do espelho, que nos amadurece. De minha parte, sinto falta de minhas caminhadas sozinho, às margens do rio, nas manhãs nubladas, outras ensolaradas, mas agora interrompidas pelo isolamento social. Era um momento de estar comigo mesmo, pensando na vida.

Tem gente que encara o solitário como covarde, mas penso o contrário. É preciso ser forte na solidão que cada um de nós encontra dentro si. Acho que é possível olhar para ela e enxergá-la sem ressentimentos. Aproveitá-la. Tê-la como companheira e travar um diálogo com o outro que também somos e que muitas vezes fica escondido, coberto por camadas, mas que vem à tona em horas solitárias. Esse tipo de sentimento, que desperta o autoconhecimento e que contribui para que sejamos seres humanos melhores, é bem-vindo. Bendita seja nossa solidão de cada dia!

 

Marcos Araújo é jornalista, mestre em Comunicação (UFJF) e doutorando em Estudos Literários (UFJF).

 

 

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