A literatura como instrumento social

A literatura como instrumento social
Clarice Lispector em Berna, Suíça (Foto Acervo Paulo Gurgel Valente)

 

Por Victor da Penha Miranda

Refletir sobre o machismo no Brasil é um exercício que exige, inicialmente, que possamos nos desarmar de práticas e pensamentos cristalizados e compreendidos como padrões e coerentes.

Ultimamente, devido aos meus dedicados estudos sobre literatura e estudos culturais, fui lapidando marcas da submissão feminina na novela A hora da estrela, da jornalista e ficcionalista Clarice Lispector, publicada originalmente em 1977.

A hora da estrela é um grito de socorro! A Macabéa que vive em nós ganha forma na narrativa e personifica silêncios, submissões, ausência de direitos políticos e afetivos.

Na obra clariceana, de início, já há um estranhamento: Rodrigo S.M narra a história de uma vida feminina. Seria ele, então, o “dono da palavra”? Seria ele “Sua Majestade”? ou, quem sabe, o dono da razão?

Clarice, dessa forma, sabiamente, provoca. E, perfeitamente, manifesta em sua obra uma das funções do texto literário no contexto de um país que pulsava em plena Ditadura Militar: provocar! Resistir!

Uma forte marca machista no livro é a presença do personagem Olímpico de Jesus. Um homem bruto, de origem nordestina, valente e sertanejo que migra para o Rio de Janeiro na ânsia de se beneficiar socialmente, apesar de tais benefícios refletirem em prejuízos à sua própria moralidade.

De Olímpico, Macabéa só recebia a presença física: “Você, Macabéa, é um cabelo na sopa. Não dá vontade de comer. Me desculpe se eu lhe ofendi, mas sou sincero.” (p. 60)

O bruto personagem demonstra, friamente, seus desejos machistas, emudecendo Macabéa, deixando-a invisibilizada diante de sua postura egocêntrica e sem compaixão.

A literatura, dessa forma, ensina, cumpre sua função, também pedagógica, ao registrar que práticas como a de Olímpico, por vezes, convivem entre nós. Cabe a nós o exercício, inicialmente subjetivo, de constatarmos quantas vezes somos Olímpicos ou Macabéas.

Victor da Penha Miranda, 28, é pós-graduando em Literatura, Memória Cultural e Sociedade, em Campos dos Goytacazes – RJ

 

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