A lição das bandeiras

A lição das bandeiras
(Foto: Arte Revista Cult)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de novembro de 2020 é “eleições”.


Ao passar pelas ruas da minha cidade, algo me chamou a atenção: as ruas estavam coloridas com as bandeiras panfletárias das campanhas políticas atuais. Uma paisagem multicolorida artificial, destacando os três partidos políticos da minha pequena cidade. Até aí tudo bem, nenhuma novidade: toda campanha política é assim, ruas lotadas de bandeiras nas praças, nas casas da maioria dos moradores, além dos “santinhos” e adesivos sujando o chão das ruas após uma reunião dos candidatos.

Porém o que mais chamou minha atenção foi exatamente constatar, com admiração e respeito, a união das bandeiras dos três partidos, dividindo quase o mesmo espaço! Às vezes até se tocando, ao sabor do vento, numa carícia inocente, sem nenhuma maldade, ciúme, afronta, rispidez, provocação – simbolizando, ironicamente, uma sonhadora utopia que se contrasta com a realidade da campanha política, na maioria das vezes uma verdadeira “guerra dos tronos” em que a escalada pelo poder tem algo muito semelhante com a caótica distopia que contamina o cenário vergonhoso da política brasileira.

Oxalá que nós, eleitores e políticos, possamos também viver a cidadania assim, imitando a lição dada por essas simbólicas bandeiras. Saber conviver pacificamente durante e depois da campanha eleitoral, evitar afrontas e discussões (subjetivas e pessoais) e pensar, simplesmente, no mais importante: lutar para transformar a nossa realidade, querer uma cidade melhor para todos, buscar a união geral numa campanha pela verdadeira democracia que foi conquistada com muita luta e até a morte de muitos brasileiros. Fazer da campanha política uma cruzada em favor dos direitos/deveres do cidadão: saúde, educação, moradia, trabalho, esporte, arte, lazer, respeito, dignidade, amor, igualdade e muito mais…

Oxalá que imitemos a simbologia das bandeiras: cada uma simplesmente propagando o seu candidato não como o melhor, o mais sábio, o mais rico, o mais bondoso, o mais digno, mas mostrando que todos eles podem e devem concorrer a um cargo eletivo, que todos têm defeitos e qualidades; que todos são (ou pretendem ser) cidadãos palhanenses que poderão contribuir para transformar a nossa cidade num local melhor e mais digno de se viver.

Eu, você, nós, todos: que tal refletirmos um pouco mais sobre o sentido do fazer e ser político? Que tal imitarmos o exemplo daquelas bandeiras? Em uma só união buscar o foco político sem idealizações, colocar os pés no chão e perceber que as “picuinhas politiqueiras”, as “rixas entre velhos amigos”, as “fofocas das calçadas”, as “fake news” mentirosas e destrutivas, as “musiquinhas provocadoras” não irão, nem hoje nem nunca, ajudar a eleger o melhor candidato e o mais correto partido para nossa cidade.

Enquanto nós (eleitores) e vocês (candidatos) não aprenderem com a metáfora da “lição das bandeiras”, continuaremos nesse ringue político a céu aberto, destruindo os sonhos uns dos outros, desfazendo velhas e saudosas amizades, manchando a memória da democracia, rasgando os direitos e deveres dos cidadãos, envergonhando o conceito de política idealizado e quase-vivido “democraticamente” na antiga democracia grega de Atenas.

Nogueira Silva, 48, é professor de Língua
Portuguesa em Palhano-CE e autor do
livro de poesia “Baú de Sonhos”
(Saramago/Albatroz).

 


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