A alma da América

A alma da América
(Foto: Arte Revista Cult)

 

Lugar de fala é o espaço dos leitores no site da Cult. Todo mês, artigos enviados por eles são publicados de acordo com um tema. O de novembro de 2020 é “eleições”.


Kamala quer dizer a flor do lótus que desabrocha. O lótus é uma flor sagrada para a cultura hindu. É também um dos nomes da deusa Laksmi. Kamala Devi Harris, advogada e senadora pela Califórnia foi eleita para o senado ao mesmo tempo em que Trump chegava à Casa Branca em 2016. Graças à influência dos pais, esteve desde cedo envolvida com o ativismo político, e com eles aprendeu sobre o movimento por direitos civis “cercada por adultos que estavam comprometidos com o serviço e o envolvimento da comunidade”.

A conquista da vice-presidência dos Estados Unidos, o segundo posto mais importante do país, significa para a filha de pai jamaicano e mãe indiana mais uma vez a sua primeira vez de muitas. Em 20 de janeiro Joe Biden fará o juramento nas escadarias do Capitólio como novo presidente da poderosa nação americana; na mesma ocasião ecoará pelo mundo, pela primeira vez, a voz de uma mulher negra do alto daquele pódio. Acostumada a ocupar espaços antes reservados a homens e brancos, Kamala Harris foi procuradora da cidade de São Francisco aos 40 anos; aqui também a primeira vez que uma mulher e um não branco ocupou o cargo; vindo depois a ser procuradora-geral da Califórnia, novamente uma pioneira.

A grande onda de participação nas eleições presidenciais de 2020 teve um impulso marcante de jovens e mulheres, conseguindo, dessa forma, ejetar da cadeira da Casa Branca o empresário populista e agressivo, que também levou a fama de racista e xenófobo e até mesmo de ser simpatizante de movimentos extremistas e ilegais como a Ku Klux Klan. O diretor de cinema Spike Lee já atrelou em roteiro de um filme a imagem do presidente ao movimento de extrema direita. Frases famosas de Trump como “America first” (América em primeiro lugar) e “Make America Great Again” (Faça com que a América seja grande novamente) aparecem em muitas falas dos membros do KKK. No filme de Lee sobre o Ron Stallworth da vida real (John David Washington), um detetive negro que se infiltrou em um capítulo da Ku Klux Klan no Colorado no início dos anos 1970 com a ajuda de um colega branco, aparece o “Agente Laranja”, como Lee chama o presidente. ( Whipp, G. Los Angeles Times, 14 de novembro de 2018).

A eleição com o maior número de eleitores e o maior número de votos para uma chapa presidencial no país impediu, pela primeira vez em 30 anos a reeleição de um presidente, e levou ao posto de vice a primeira mulher. Símbolos que devem ser levados em conta como um repúdio ao modelo proposto pelo derrotado Trump e soar também como uma mensagem ao resto do mundo, principalmente em republiquetas com modelos semelhantes e copiados que deverão iniciar a perder força. Um golpe para as pretensões políticas de Bolsonaro, que segundo o professor de Yale, Jason Stanley, copia as mesmas táticas associadas ao fascismo do seu colega estadunidense Donald Trump.

A ancestralidade indiana de Kamala foi lembrada em Thulasendrapuram, cidade ao sul de Chennai, onde foram depositadas em templos hindus flores e pedidos aos deuses para que ela se saísse vitoriosa, o que parece os deuses prontamente atenderam. Nas suas palavras, a força da diversidade e o desejo de construir algo melhor do que foi feito até agora: “Esta eleição é muito mais do que Joe Biden ou eu. É sobre a alma da América e nossa disposição de lutar por ela. Temos muito trabalho pela frente. Vamos começar”, disse Kamala.

Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá
é professor na Universidade Federal
do Ceará

 

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